sexta-feira, 18 de maio de 2018

“Tenho o Nobel, e o quê?”

Eu tenho que dizer que o ano em que esperava que me dessem [o prêmio Nobel] não foi 1998, mas 1997, porque tinha informações, indícios, que me permitiam pensar que não o dariam a Dario Fo. Curiosamente, no dia em que lhe deram, eu estava a fazer uma viagem pela Alemanha e Polônia, e nessa noite Dario Fo me deixou uma mensagem que dizia: “Quero dar-te um Nobel. Perdoa, mas no ano que vem tu vais tê-lo. Ai, sou um ladrão! Roubei-te o Nobel de Literatura”. Mas isso não havia ocorrido. No ano seguinte, eu estava prestes a embarcar no avião para voltar de Frankfurt a Madri e depois a Lanzarote, que é onde eu vivo, e a hora da saída do avião coincidia com o anúncio do prêmio durante a Feira do Livro de Frankfurt. A fila estava andando para entrar no avião. Então fui ao telefone, liguei para a feira e pedi para falar com o meu editor. Não disse quem era, não valia a pena, e fiquei assim ao telefone, a esperar. De repente ouvi uma voz, mas do alto-falante da sala de embarque, que dizia: “Senhor José Saramago”. Era uma voz feminina, e me dei conta de que a aeromoça tinha outro telefone, e me disse: “É o senhor…?”, “Sim, sim, sou eu”. Então ela não pôde se controlar. Alguém tinha ligado para falar comigo, e ela me disse: “É que está aqui uma jornalista que quer falar consigo. É que o senhor ganhou o prêmio Nobel!”. Portanto, anunciou-me que eu tinha ganhado o Nobel uma aeromoça da Lufthansa, a quem obviamente a jornalista, para convencê-la de que me chamasse, disse: “Tem que encontrar esse homem porque ele ganhou o prêmio Nobel”. Para sair, eu tinha que ir por um corredor. Era uma casualidade que não houvesse ninguém naquele corredor. E eu não me lembro de nenhum outro momento da minha vida em que tenha sentido isso: a solidão agressiva. Estava ali sozinho, um senhor com sua gabardina e sua malinha, com a qual tinha ido a Frankfurt por dois dias para uma conferência, e voltava um senhor cuja vida tinha mudado totalmente nesse instante. Ia andando e murmurando palavras, falava um pouco comigo mesmo e me dizia: “Tenho o Nobel, e o quê?”.
José Saramago in As palavras de Saramago

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