quarta-feira, 16 de maio de 2018

Perpetum Mobila

As revoluções dos últimos dois séculos foram tão rápidas e radicais que transformaram a característica mais fundamental da ordem social. Tradicionalmente, a ordem social era firme e rígida. “Ordem” implicava estabilidade e continuidade. Revoluções sociais rápidas eram excepcionais, e a maioria das transformações sociais resultava da acumulação de uma série de pequenos passos. Os humanos tendiam a presumir que a estrutura social era inflexível e eterna. As famílias e as comunidades podiam lutar para mudar seu lugar dentro da ordem, mas a ideia de que se pudesse mudar a estrutura fundamental da ordem era estranha. As pessoas tendiam a se reconciliar com o status quo, declarando que “é assim que sempre foi, e é assim que sempre será”.
Nos últimos dois séculos, o ritmo das mudanças se tornou tão rápido que a ordem social adquiriu um caráter dinâmico e maleável. Agora existe em um estado de fluxo permanente. Quando falamos de revoluções modernas, tendemos a pensar em 1789 (a Revolução Francesa), 1848 (as revoluções liberais) ou 1917 (a Revolução Russa). Mas o fato é que, atualmente, todo ano é revolucionário. Hoje, até mesmo uma pessoa de 30 anos pode dizer honestamente a adolescentes incrédulos: “Quando eu era jovem, o mundo era completamente diferente”. A internet, por exemplo, só se disseminou no início dos anos 1990, há pouco mais de vinte anos. Hoje não podemos imaginar o mundo sem ela.
Daí que qualquer tentativa de definir as características da sociedade atual é como tentar definir a cor de um camaleão. A única característica da qual podemos ter certeza é a mudança incessante. As pessoas se acostumaram a isso, e a maioria de nós pensa na ordem social como algo flexível, que podemos projetar e melhorar à vontade. A principal promessa dos governantes pré-modernos era salvaguardar a ordem tradicional ou mesmo retornar a alguma era de ouro perdida. Nos últimos dois séculos, a moeda da política são promessas de destruir o velho mundo e construir um mundo melhor em seu lugar. Nem mesmo o mais conservador dos partidos políticos promete meramente manter as coisas como estão. Todos prometem reforma social, reforma educacional, reforma econômica – e muitas vezes cumprem tais promessas.
Assim como os geólogos esperam que os movimentos tectônicos resultem em terremotos e erupções vulcânicas, também podemos esperar que movimentos sociais drásticos resultem em explosões de violência sanguinárias. A história política dos séculos XIX e XX é muitas vezes contada como uma série de guerras mortíferas, holocaustos e revoluções. Como uma criança usando botas novas e saltando de poça em poça, esse modo de ver as coisas enxerga a história como saltando de um banho de sangue ao seguinte, da Primeira Guerra Mundial à Segunda e então à Guerra Fria, do genocídio armênio ao genocídio judeu e então ao genocídio ruandês, de Robespierre a Lenin e então a Hitler.
Há verdade nisso, mas essa tão conhecida lista de calamidades é um pouco enganosa. Prestamos demasiada atenção às poças e nos esquecemos da terra seca que as separa. As últimas décadas da era moderna testemunharam níveis sem precedentes não só de violência e horror como também de paz e tranquilidade. Charles Dickens escreveu, sobre a Revolução Francesa, que “foi o melhor dos tempos, [e] foi o pior dos tempos”. Isso possivelmente é válido a respeito não só da Revolução Francesa, mas de toda a era prenunciada por ela.
É especialmente verdadeiro se considerarmos as sete décadas que se passaram desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Durante esse período, a humanidade, pela primeira vez, se viu diante da possibilidade da autoaniquilação completa e vivenciou um grande número de guerras e genocídios. Mas essas décadas também foram a era mais pacífica da história humana – e por uma boa margem. Isso é surpreendente, porque essas mesmas décadas presenciaram mais mudança econômica, social e política do que qualquer era anterior. As placas tectônicas da história estão se movendo em ritmo frenético, mas os vulcões estão quase sempre silenciosos. A nova ordem maleável parece ser capaz de conter e até mesmo iniciar mudanças estruturais radicais sem ruir em conflitos violentos.
Yuval Noah Harari, in Sapiens: uma breve história da humanidade

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