terça-feira, 8 de maio de 2018

O amor acaba

— “O amor às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes.”

O que é isso?

Paulo Mendes Campos.

Paulo Mendes Campos?!

Estou relendo. Eu nunca mais tinha lido esta crônica. “O amor acaba”. Uma vez nós lemos juntos, você se lembra?

Não.

Faz tempo.

Você e eu lendo uma crônica juntos é difícil de acreditar.

Eu sei. Não fazemos mais nada que fazíamos juntos. Mas eu, pelo menos, me lembro.

Só você, mesmo, pra desenterrar esse livro velho.

Foi você que me deu.

Eu?!

Olha a dedicatória. “Amor eterno”.

Meu Deus. “Amor eterno”?!

Uma coisa que existia antigamente.
Ih, lá vem drama...
— “Diante dos mesmos cisnes...” O que seriam os cisnes, no nosso caso? Que eu me lembre, começamos a namorar numa reunião dançante e eu pedi você em casamento numa fila de cinema. Não havia nenhum cisne por perto.
Aposto que você se lembra até do filme.
Era, era...
Eu não acredito. Você vive no passado. Na outra noite, foi o único do grupo que se lembrava de toda a letra de “Marcianita”.
Sabe o que o Ernestão me contou? Olha que história triste. Ninguém entendia por que ele e a Vanda nunca tinham se separado. Não podia ser para manter as aparências. Todo mundo sabia que o casamento deles era um fracasso, nem um nem outro escondiam isso. Os filhos já tinham saído de casa, já eram adultos, a separação não os afetaria. Os amigos do casal não se surpreenderiam com um divórcio, era óbvio que o amor entre eles tinha acabado havia muito tempo. Era até bom que se separassem, para nos poupar dos seus constantes bate-bocas na nossa frente. Você mesmo dizia que não entendia como eles ainda se aturavam, vivendo na mesma casa e se odiando daquele jeito. A gente até especulava: uns achavam que era ela que não dava o divórcio, para infernizar a vida dele, outros achavam que era o contrário. Finalmente se separaram, e ontem o Ernestão me contou por que tinha demorado tanto, e o que o levou a concordar com o divórcio. Foi uma descoberta que ele fez.
Que descoberta?
Uma coisa banal. Uma coisa que existe há anos, mas ele não sabia.
O quê?
O cortador de unha. Entende? Durante anos, mesmo se odiando, a Vanda cortava as unhas dele com tesourinha. Ele precisava dela para cortar as unhas da sua mão direita. Ela talvez usasse a tesourinha como um símbolo do seu domínio sobre ele. Por isso escondera a existência do cortador de unha, com o qual ele poderia cortar suas próprias unhas, inclusive as da mão direita, e que a tornaria obsoleta. A tesourinha era a última coisa que os unia. Não é uma história triste?
Não, é uma história ridícula.
Acho que foi por isso que eu procurei esta crônica do Paulo Mendes Campos. O amor acaba com o tempo. O amor acaba com o esquecimento. O amor acaba como começou, mesmo que com outros cisnes. E o amor também acaba entre dois “clics” de uma tesourinha.
Literatice.
Olha o fim da crônica: “Em todos os lugares o amor acaba, a qualquer hora o amor acaba, por qualquer motivo o amor acaba, para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.”
Me poupe.
Luís Fernando Veríssimo, in Amor veríssimo

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