— “O amor às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes.”
— O que é isso?
— Paulo Mendes Campos.
— Paulo Mendes Campos?!
— Estou relendo. Eu nunca mais tinha lido esta crônica. “O amor acaba”. Uma vez nós lemos juntos, você se lembra?
— Não.
— Faz tempo.
— Você e eu lendo uma crônica juntos é difícil de acreditar.
— Eu sei. Não fazemos mais nada que fazíamos juntos. Mas eu, pelo menos, me lembro.
— Só você, mesmo, pra desenterrar esse livro velho.
— Foi você que me deu.
— Eu?!
— Olha a dedicatória. “Amor eterno”.
— Meu Deus. “Amor eterno”?!
— Uma
coisa que existia antigamente.
— Ih,
lá vem drama...
—
“Diante
dos mesmos cisnes...” O que seriam os cisnes, no nosso caso? Que eu
me lembre, começamos a namorar numa reunião dançante e eu pedi
você em casamento numa fila de cinema. Não havia nenhum cisne por
perto.
—
Aposto
que você se lembra até do filme.
— Era,
era...
— Eu
não acredito. Você vive no passado. Na outra noite, foi o único do
grupo que se lembrava de toda a letra de “Marcianita”.
— Sabe
o que o Ernestão me contou? Olha que história triste. Ninguém
entendia por que ele e a Vanda nunca tinham se separado. Não podia
ser para manter as aparências. Todo mundo sabia que o casamento
deles era um fracasso, nem um nem outro escondiam isso. Os filhos já
tinham saído de casa, já eram adultos, a separação não os
afetaria. Os amigos do casal não se surpreenderiam com um divórcio,
era óbvio que o amor entre eles tinha acabado havia muito tempo. Era
até bom que se separassem, para nos poupar dos seus constantes
bate-bocas na nossa frente. Você mesmo dizia que não entendia como
eles ainda se aturavam, vivendo na mesma casa e se odiando daquele
jeito. A gente até especulava: uns achavam que era ela que não dava
o divórcio, para infernizar a vida dele, outros achavam que era o
contrário. Finalmente se separaram, e ontem o Ernestão me contou
por que tinha demorado tanto, e o que o levou a concordar com o
divórcio. Foi uma descoberta que ele fez.
— Que
descoberta?
— Uma
coisa banal. Uma coisa que existe há anos, mas ele não sabia.
— O
quê?
— O
cortador de unha. Entende? Durante anos, mesmo se odiando, a Vanda
cortava as unhas dele com tesourinha. Ele precisava dela para cortar
as unhas da sua mão direita. Ela talvez usasse a tesourinha como um
símbolo do seu domínio sobre ele. Por isso escondera a existência
do cortador de unha, com o qual ele poderia cortar suas próprias
unhas, inclusive as da mão direita, e que a tornaria obsoleta. A
tesourinha era a última coisa que os unia. Não é uma história
triste?
— Não,
é uma história ridícula.
— Acho
que foi por isso que eu procurei esta crônica do Paulo Mendes
Campos. O amor acaba com o tempo. O amor acaba com o esquecimento. O
amor acaba como começou, mesmo que com outros cisnes. E o amor
também acaba entre dois “clics” de uma tesourinha.
—
Literatice.
— Olha
o fim da crônica: “Em todos os lugares o amor acaba, a qualquer
hora o amor acaba, por qualquer motivo o amor acaba, para recomeçar
em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.”
— Me
poupe.
Luís
Fernando Veríssimo, in Amor veríssimo
Nenhum comentário:
Postar um comentário