— Não,
paizinho, não! Quero ir com você!
— Mas
meu bem, não posso levar você lá. O lugar não é próprio. Não
vou demorar nada, só dez minutos. Seja boazinha, fique me esperando
aqui.
— Não,
não! — a garotinha soluçava. Agarrou-se à calça do pai como
quem se agarra a uma prancha no mar. Ele insistia:
— Que
bobagem, uma menina de sua idade fazendo um papelão desses.
— Você
não volta!
—
Volto, ora essa, juro que volto, meu
amor.
Prometendo,
ele passeava o olhar pela rua, impaciente. Ela baixara a cabeça,
chorando. Estavam diante da papelaria. O gerente assistia à cena. O
homem aproximou-se dele:
—
Faz-me o obséquio de tomar conta de
minha filha por alguns instantes? Vou a um lugar desagradável, não
posso levá-la comigo.
— Mas…
—
Quinze minutos no máximo. É ali
adiante. Muito obrigado, hem?
E
sumiu. A garotinha continuava de olhos baixos, imóvel, o dorso da
mão esquerda junto à boca. O gerente passou-lhe a mão nos cabelos,
de leve.
— Vem
cá.
Ela
não se mexeu.
— Como
é que você se chama? Carmen? Luísa? Marlene?
Como
não respondesse, o gerente foi desfiando nomes, sem esperança de
acertar. Mas ao dizer “Estela”, a cabecinha moveu-se,
confirmando.
—
Estela, você sabe que está com um
vestido muito bonito?
Estela
tirou a mão dos olhos, examinou o próprio vestido e não disse
nada.
Mas
o gelo fora rompido. Daí a pouco o gerente mostrava-lhe a caixa
registradora e autorizava-a a marcar uma venda de duzentos cruzeiros.
— Olha
um gatinho. Ele mora aqui?
— Mora.
— E
que é que ele come?
—
Papel.
—
Mentiroso!
— Então
pergunte a ele.
O
gato acordou, deixou-se afagar e tornou a dormir, desta vez nos
braços de Estela.
O
gerente olhou o relógio; tinham se passado quinze minutos, o homem
não aparecia. “Bonito se ele não vier mais. Que vou fazer com
esta garotinha, na hora de fechar?”
Tentou
lembrar o rosto do desconhecido; impossível. Já pensava em
telefonar para a polícia, quando Estela o puxou pela perna:
— Além
da máquina e do gatinho, você não tem mais nada para me mostrar?
Ele
abarcou com a vista a loja toda e sentiu-a mal sortida, pobre. “Eu
devia ter aberto uma loja de brinquedos, pelo menos um bazar.”
Experimentou com Estela o apontador de lápis, o grampeador. E o
homem não vinha. É, não vem mais. Estela andava de um lado para
outro, dona do negócio. Ele, inquieto.
— Não
mexa nas gavetas, filhinha.
— Não
sou sua filhinha.
—
Desculpe.
—
Desculpo se você deixar eu abrir.
— Então
deixo.
Dentro
havia balões, estrelinhas, saldo do último Natal. E ele que não se
lembrava daquilo. Estela riu de sua ignorância, e o homem não
vinha. O movimento de fregueses declinava. Na calçada, as filas de
lotação iam crescendo. Daí a pouco, a noite.
Estela
soprou um balão, outro, quis soprar dois ao mesmo tempo. Um
estourou. Ela assustou-se. Ele riu.
“Se
o homem não aparecesse mais, que bom! Aliás a cara dele era de
calhorda. Ainda bem que me escolheu.” Levaria Estela para casa, a
mulher não ia estranhar, fariam dela uma filha — a filha que
praticamente não tinham mais, pois casara e morava longe, no Peru. E
se o pai reclamasse depois? Ora, quem entrega sua filha a um
estranho, diz que vai demorar quinze minutos, passa uma hora e não
volta, merece ter filha?
O
empregado arriava a cortina de aço quando apareceram duas pernas, um
tronco inclinado, uma cabeça.
— Dá
licença? Demorei mais do que pensava, desculpe. Muito obrigado ao
senhor. Vamos, filhinha.
O
gerente virou o rosto, para não ver, mas chegou até ele a despedida
de Estela:
— Até
logo, homem do balão!
E
a filha ficou mais longe ainda, no Peru.
Carlos
Drummond de Andrade, in 70 historinhas
Nenhum comentário:
Postar um comentário