Ilustração:
Everett Henry
Tivesse
descido com o Capitão Ahab à sua cabine depois da tormenta que
tomou lugar na noite seguinte à da impetuosa ratificação de seu
propósito junto à tripulação, você o teria visto se dirigir a um
armário entre os gios e, trazendo um enorme rolo franzido de cartas
marítimas, espalhá-las diante de si sobre a mesa atarraxada ao
chão. Em seguida, sentado diante delas, você o teria visto estudar
atentamente as várias linhas e sombras que ali encontravam seus
olhos; e com lápis lento mas firme traçar rotas adicionais em
espaços que antes estavam em branco. Era possível, às vezes, vê-lo
em consulta às pilhas de velhos diários de bordo que o cercavam,
nos quais estavam indicados as estações e locais em que, em
diversas viagens anteriores de diversos outros navios, os cachalotes
haviam sido capturados ou vistos.
Enquanto
assim se ocupava, a pesada lamparina de estanho suspensa por
correntes sobre sua cabeça balançava continuamente com o movimento
do navio e jogava contínuos raios e sombras de linhas sobre seu
cenho franzido, até quase fazer parecer que, enquanto ele próprio
marcava linhas e rotas nos mapas franzidos, algum lápis invisível
também traçava linhas e rotas no mapa profundamente marcado de seu
rosto.
Mas
não era nessa noite em particular que, na solidão da sua cabine,
Ahab assim meditava sobre suas cartas. Quase todas as noites elas
eram trazidas; quase todas as noites algumas marcas a lápis eram
apagadas e substituídas por outras. Pois, com as cartas de todos os
quatro oceanos diante de si, Ahab tecia um labirinto de correntes e
sorvedouros, almejando uma realização mais segura daquele
pensamento monomaníaco de sua alma.
Ora,
para qualquer um que não estivesse plenamente familiarizado com os
caminhos dos Leviatãs, poderia parecer uma tarefa absurda e
irrealizável procurar assim uma solitária criatura nos oceanos
inestocáveis deste planeta. Mas não era o que parecia para Ahab,
que conhecia os modos de todas as correntes e marés; e assim,
calculando os deslocamentos da comida do cachalote; e trazendo à
mente com exatidão as estações de caça em determinadas latitudes;
poderia chegar a suposições razoáveis, quase aproximadas da
certeza, sobre o dia mais propício para estar numa ou noutra região
atrás de sua presa.
Tão
precisa, de fato, é a periodicidade com que o cachalote frequenta
certas águas, que muitos pescadores acreditam que, pudesse ele ser
observado e estudado no mundo inteiro; fossem os diários de bordo de
toda rota baleeira cuidadosamente cotejados, então as migrações do
cachalote corresponderiam invariavelmente às dos cardumes de
arenques ou aos voos das andorinhas. Baseadas nessas indicações,
foram feitas tentativas de criar elaborados mapas migratórios do
cachalote.
Além
disso, fazendo a passagem de uma região alimentícia para outra, os
cachalotes, guiados por algum instinto infalível – digamos, quiçá
por uma inteligência secreta da Divindade –, em sua maioria nadam
em veias, como são chamadas; seguindo seu caminho ao longo de
uma certa linha do oceano com uma exatidão tão constante que nenhum
navio, com todas as cartas marítimas, jamais conseguiu fazer sua
rota com um décimo dessa maravilhosa precisão. Ainda que, nesses
casos, a direção tomada por qualquer baleia fosse tão reta como a
régua de um topógrafo, e ainda que a linha de seu percurso fosse
rigidamente confinada a seu rastro direto e reto, às vezes, a veia
arbitrária, no qual o cachalote nessas ocasiões nada, em geral tem
algumas poucas milhas de largura (mais ou menos, dado que a veia pode
se expandir ou contrair); mas nunca excede o campo visual dos topos
de mastro dos navios baleeiros, quando estes deslizam cautelosamente
por esta zona mágica. A conclusão é que, em períodos especiais,
dentro daquele limite, e ao longo daquele caminho, se pode procurar
com grande confiança por baleias migrantes.
E
assim, não apenas em horas confirmadas, em zonas de engorda bem
conhecidas e delimitadas, Ahab podia ter esperanças de encontrar sua
presa; mas também, cruzando as extensões mais vastas das águas
entre essas áreas ele poderia, com sua habilidade, colocar-se em seu
caminho no tempo e no espaço, de modo a não perder inteiramente a
perspectiva de um encontro.
Havia
uma circunstância que, à primeira vista, parecia dificultar seu
plano delirante e, não obstante, metódico. Mas talvez não na
realidade. Embora os gregários cachalotes tenham temporadas
regulares em zonas específicas, contudo não se pode concluir que os
bandos que assolaram esta ou aquela latitude ou longitude em tal ano,
digamos, sejam exatamente idênticos aos que foram encontrados ali na
estação precedente; embora existam alguns casos especiais e
exemplos inquestionáveis em que o contrário se provou verdadeiro.
Em geral, a mesma observação, apenas limitada a um campo menos
extenso, aplica-se aos cachalotes solitários e eremitas, na
maturidade ou na velhice. De tal modo que, se Moby Dick tivesse sido
avistado, por exemplo, num ano anterior, na região chamada
Seychelles no oceano Índico, ou na baía do Vulcão na costa
Japonesa; disso não se depreendia que, se o Pequod visitasse
um desses lugares na temporada correspondente seguinte, haveria
infalivelmente de encontrá-lo ali. Assim, também, ocorria em outras
zonas de engorda, onde houvesse por vezes se revelado. Mas todos
esses lugares pareciam ser apenas estalagens do mar e pontos de
parada casuais, por assim dizer, não seus locais de estada
prolongada. E onde as chances de Ahab atingir seu objetivo foram
mencionadas, alusões foram feitas apenas a alguma perspectiva de
direção, antecedente, inusitada, antes de se chegar a um lugar e
tempo determinados, em que todas as possibilidades se tornam de fato
probabilidades, e, como gostava de pensar Ahab, toda probabilidade
estaria a um passo da certeza. Esse lugar e esse tempo determinados
se engendravam numa única frase técnica: a Temporada-no-Equador.
Pois neste quando e onde, durante muitos anos consecutivos, Moby Dick
havia sido avistado periodicamente, permanecendo por algum tempo
naquelas águas, como o sol, na sua volta anual, se demora por um
tempo previsto em cada um dos signos do Zodíaco. Havia sido ali,
também, que a maior parte dos encontros fatais com a baleia branca
ocorrera; ali as ondas guardavam histórias de seus feitos; ali
também, naquele trágico local, o velho monomaníaco havia
encontrado o terrível motivo de sua vingança. Mas, com o cauteloso
entendimento e a assídua vigilância com que Ahab lançou sua alma
arisca nessa caçada resoluta, ele não se permitiria depositar todas
as suas esperanças no único fato supremo mencionado acima, ainda
que propenso fosse a tais esperanças; nem mesmo na vigília de seu
juramento ele conseguia tranqüilizar seu inquieto coração no
sentido de adiar toda busca ocasional.
Ora,
o Pequod partira de Nantucket no começo da
Temporada-no-Equador. Nenhum esforço possível poderia, então,
impedir seu comandante de completar a grande travessia rumo ao sul,
dobrar o cabo Horn e então, pondo-se a sessenta graus de latitude,
chegar ao Pacífico equatorial a tempo de cruzar a região. Por esse
motivo, ele precisava esperar pela próxima estação. Mas a hora
prematura da partida do Pequod talvez tenha sido corretamente
escolhida por Ahab, haja vista esta complexidade de elementos. Pois
um intervalo de 365 dias e noites estava diante dele; um intervalo
que, em vez de suportar impacientemente em terra, ele passaria numa
caçada variada; se por acaso a Baleia Branca, passando suas férias
em mares muito distantes de sua costumeira zona de engorda, viesse a
mostrar seu cenho franzido perto do golfo Pérsico, ou na baía de
Bengala, ou nos mares da China, ou em quaisquer outras águas
assoladas por sua espécie. De modo que Monções, Pampeiros,
Noroestes, Harmatões, Alísios; todos os ventos, exceto o Levante e
o Simum, poderiam impelir Moby Dick para o ziguezague errante da
esteira do Pequod em sua circunavegação do mundo.
Mas,
com tudo isso admitido; no entanto, reconsiderando-se com prudência
e calma, parecia não passar de uma ideia insana, esta; que, no largo
oceano imenso, uma única baleia, mesmo que fosse encontrada, pudesse
ser reconhecida individualmente por seu caçador, quase como um Mufti
de barbas brancas através das abarrotadas ruas de Constantinopla?
Não. Pois o cenho nevado de Moby Dick, bem como sua nívea corcova
não podiam ser senão inconfundíveis. E eu não marquei o
cachalote? – murmuraria Ahab como se, depois de se debruçar sobre
as cartas até bem depois da meia-noite, ele se deixasse levar por
devaneios – marquei, e ele vai fugir? Suas grossas barbatanas estão
furadas e fatiadas como a orelha de uma ovelha desgarrada! E, aqui,
sua mente enlouquecida disparava numa corrida ofegante; até que o
cansaço e a fraqueza de tanto pensar ultrapassavam-no; e no ar puro
do convés ele procurava recuperar suas forças. Deus, que transes de
tormentos suporta o homem consumido por um incomensurável desejo de
vingança! Dorme com os punhos cerrados; e acorda com suas próprias
unhas sangrentas cravadas nas palmas das mãos.
Muitas
vezes, arrancado à noite de sua rede por sonhos exaustivos e
insuportavelmente reais, os quais, continuando seus intensos
pensamentos através do dia, carregavam esses pensamentos numa
conflagração de frenesis, e os faziam rodopiar, voltas e mais
voltas, em seu cérebro ardente, até que o próprio pulso de seu
cerne vital se tornasse insuportável angústia; e quando, como às
vezes era o caso, esses espasmos espirituais erguiam-lhe o ser de sua
base, e um precipício parecia se abrir dentro dele, do qual
disparavam labaredas e raios bifurcados, e demônios amaldiçoados
convidavam-no a pular para junto deles; quando este inferno dentro de
si escancarava suas bocas embaixo dele, um grito selvagem se ouviria
pelo navio; e com os olhos dardejantes Ahab sairia de sua cabine,
como se escapasse de um leito em chamas. Mas estes, talvez, em vez de
serem os sintomas irreprimíveis de alguma fraqueza latente, ou do
medo de seu próprio desenlace, fossem os mais puros indícios de sua
intensidade. Pois, nessas ocasiões, o louco Ahab, o ardiloso,
irreconciliável e tenaz caçador da baleia branca; esse Ahab que
tinha ido para sua rede, não era o agente daquilo que o fazia fugir
dali horrorizado mais uma vez. Esse agente era o eterno princípio
vital ou alma dentro dele; e no sono, estando por algum tempo
dissociado da mente discriminadora, que noutras ocasiões o usava
como veículo ou como agente externo, esse princípio buscava escapar
espontaneamente da escorchante contiguidade daquela coisa frenética,
a qual, naquele momento, não integrava. Mas, como a mente não
existe senão atada à alma, portanto deve ter sido essa, no caso de
Ahab, quem dirigia todos os seus pensamentos e suas fantasias para
seu propósito supremo; este propósito, por mera tenacidade da
vontade, impingiu-se contra deuses e demônios numa espécie de ser
independente. Assim, podia viver e queimar implacavelmente, enquanto
a vitalidade comum à qual estava ligada fugia horrorizada daquele
parto arbitrário e ilegítimo. Portanto, aquele espírito
atormentado que observava do lado de fora dos olhos do corpo, aquele
que parecia ser Ahab saindo de seu quarto, era naquela hora apenas
uma coisa vazia, um ser sonâmbulo sem forma, um raio de luz viva, é
certo, mas sem objeto para colorir, e, portanto, a própria
vacuidade. Que Deus te ajude, velho: teus pensamentos criaram uma
criatura em ti. E aquele cujo pensamento intenso o transformou num
Prometeu; um abutre devora-lhe o coração eternamente; e esse abutre
é a própria criatura por ele criada.
Herman
Melville, in Moby Dick
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