quinta-feira, 19 de abril de 2018

O argumento moral a favor da divindade

Agora chegamos a um estágio posterior, a que me referirei como a descendência intelectual que os teístas transformaram em suas argumentações, e nos deparamos com o que se chamam argumentos morais para a existência de Deus. Todos os senhores sabem, é claro, que no passado existiram três argumentos intelectuais a favor da existência de Deus, todos utilizados por Immanuel Kant em Crítica da Razão Pura; mas, assim que ele empregou esses argumentos, logo inventou um novo, um argumento moral, e isso o deixou bastante convencido. Kant era como muitas pessoas: em relação a questões intelectuais, era cético; mas, em relação a valores morais, acreditava implicitamente nas máximas que tinha assimilado no colo da mãe. Isso ilustra aquilo que os psicanalistas tanto enfatizam – que as associações que acontecem muito cedo na vida têm influência imensamente mais forte do que aquelas de períodos posteriores.
Kant, como digo, inventou um novo argumento moral em favor da existência de Deus, e tal argumento, sob formas variadas, fez-se extremamente popular durante o século XIX. Ele se apresenta sob todo o tipo de formas. Uma delas é dizer que não haveria certo nem errado a menos que Deus existisse. No momento, não estou preocupado se existe ou não diferença entre certo e errado; essa é uma outra questão. O ponto que me preocupa é que, se alguém tem certeza de que há diferença entre certo e errado, então esse alguém se encontra na seguinte situação: será que tal diferença é ou não devida às determinações de Deus? Se for devida às determinações de Deus, então para o próprio Deus não existe diferença entre certo e errado, e a afirmação de que Deus é bom perde sua significância. Se for dito, como os teólogos dizem, que Deus é bom, então é necessário dizer que certo e errado têm algum significado independentemente das determinações de Deus, porque as determinações de Deus são boas, e não ruins, independentemente do simples fato de Ele as ter feito. Para dizer isso, também é preciso dizer que não apenas por meio de Deus é que o certo e o errado passaram a existir, mas que são, em essência, logicamente anteriores a Deus. Seria possível, é claro, se houvesse intenção, dizer que havia uma divindade superior que dava ordens ao Deus que criou este mundo, ou então tomar a linha que alguns dos gnósticos tomaram – uma linha que com frequência considerei bastante plausível –, a de que, na verdade, este mundo que conhecemos foi criado pelo demônio, em um momento que Deus não estava olhando. Há muito a se dizer a esse respeito, e não estou interessado em refutá-lo.
Bertrand Russell, in Por que não sou cristão

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