quinta-feira, 19 de abril de 2018

Mulher endividada

O casal entrou na agência bancária, o rapaz mais jovem que a moça, talvez mais afetivo, ou mais apaixonado; tentava abraçá-la e beijá-la, ela se esquivava, mas não parecia tímida, e sim nervosa.
Eu tinha que pagar uma conta e entrei na mesma agência, mas sem saber por que, segui o par enamorado, que se dirigiu à sala de penhora, uma sala pequena e abafada, cheia de gente ansiosa. A moça e o rapaz deram uma olhada na sala, depois se entreolharam e foram embora.
Desisti de seguir o casal e de pagar minha conta quando vi uma mulher gorda gesticular diante do avalista de objetos penhorados. Sentei numa cadeira vazia da primeira fileira e fiquei observando as pessoas.
Onde há dívida, há tensão e angústia; quer dizer, há uma promessa de literatura. Mas não pensava em literatura, pensava na mulher gorda, que tirou a pulseira, os brincos e um colar e entregou tudo ao avalista. Depois tirou um lenço de uma bolsa surrada e assoou o nariz. Não esperou um minuto e perguntou:
Quanto vale?”
O avalista observou as joias, examinou-as, olhou sem piedade para a mulher: “Mil e setecentos. Talvez mil setecentos e cinquenta”.
Só isso?”
Só.”
Mas o colar é de ouro.”
Ouro branco, dona. Vale menos.”
Quem quisesse, podia ver a alça do sutiã vermelho e também as pintas e manchas nas costas. Era uma mulher desleixada, visivelmente endividada, talvez à beira da pobreza.
A vida é essa sala de penhora, pensei.
A mulher contou o dinheiro, assinou os documentos, pôs a bolsa na mesinha do avalista e se curvou sobre o funcionário; ela permaneceu uns segundos nessa posição, cochichando para ele; depois virou o corpo para o lado, como se olhasse para a porta. Vi sua face direita, um olho amarelado que combinava com o cabelo cor de fogo, mal tingido. As lágrimas tinham devastado a maquiagem, as rugas do rosto eram grandes que nem dobras.
Eu, que não a conhecia, tive vontade de chorar, mas me controlei. Ela se levantou, pôs a alça da bolsa no ombro direito e agarrou a bolsa com a mão. Também me levantei, disfarçando, observando-a de soslaio. Tomou água, demorou uns minutos ao lado do bebedouro, voltou à sala de penhora e perguntou ao funcionário quanto ia pagar de juros. O homem informou um número que não ouvi, ela reclamou, ele disse em voz alta:
Mas é a mesma taxa das outras penhoras.”
Um absurdo, um assalto”, ela desabafou.
Os seios, que eram enormes, cresceram. Só então reparei que ela era alta, mais alta do que eu. Calçava sandálias de couro, só os dedos do pé direito estavam pintados de vermelho.
Saiu do banco e eu segui essa mulher endividada. Ela parou na calçada para ajeitar o cabelo, abriu a bolsa, tirou um grampo, nem teve tempo de perceber a mão furtiva agarrar a alça e arrancar a bolsa, uma mão ágil e habilidosa de um rapaz que já atravessava a rua e corria ao encontro de uma moça que o esperava.
Reconheci o casal que havia entrado no banco. Os outros passantes cercaram a vítima, ninguém perseguiu os assaltantes, não havia policiais por ali, os seguranças do banco não se moveram.
Um homem idoso perguntou se ela estava bem.
Ele roubou uma bolsa velha”, ela disse, rindo. “Esses bandidos pensam que eu sou idiota.”
Ninguém entendeu o que ela queria dizer. Sem parar de rir, sem conseguir parar de rir, ela tirou um envelope do sutiã vermelho e gritou: “Era isso o que aquele safado queria… O dinheiro para pagar a faculdade do meu filho. O dinheiro e os meus documentos estão aqui dentro”.
Ela estava transtornada, mas alegre. Não se conteve e chorou aos prantos. Talvez por ter garantido o futuro do filho. Ou, quem sabe, por ter enganado um gatuno amador.
Milton Hatoum, in Um solitário à espreita

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