Lá,
de onde Antônio vem é longe que só a gota. Longe que só a gota
pra trás, o que é muito mais longe que só a gota do que longe que
só a gota pros lados. Pois vir de longe pros lados é vir de longe
no espaço, lonjura besta que qualquer bicho alado derrota. Já vir
de longe pra trás é vir de longe no tempo, lonjura que pra ficar
desimpossível demora.
Lá,
de onde Antônio vem, era tanta coisa acontecendo que nem sei se vai
dar pra contar tudo. Tomara que ninguém se tome por esquecido, pois
a história que aqui vai ser contada tem de todas um pedaço, além
dos outros pedaços que ficaram perdidos no caminho do tempo que
Antônio andou até aqui trazendo com ele essa história.
Era
o tempo de Antônio.
E
lá o tempo passava diferente. Era uma coisa agora, com um pouco já
era outra e logo depois não era mais essa. Era aquela.
O
tempo de Antônio passava rápido demais.
É
ali por volta do ano 2000 que começa a história do tempo de
Antônio.
Mas
o tempo de Antônio começou há mais tempo do que isso, vinte e
tantos anos antes, quando Antônio veio ao mundo. Ou então ainda há
mais tempo, bilhões de anos atrás quando o mundo foi criado.
Tudo
era uma seca só.
Não
tinha terra, não tinha céu, não tinha bicho, não tinha gente, não
tinha nada.
Era
só o breu.
Aí
Deus foi ficando meio enjoado e resolveu criar o mundo.
Ele
pensou assim: “Vê que besteira a minha, por que é que vai ficar
tudo sem nada se eu posso inventar o que eu quiser?” Então saiu
inventando. Primeiro Ele inventou o céu que era pra ter onde morar,
mas como o céu tinha que ficar em cima de alguma coisa, Ele inventou
a Terra pra ficar embaixo.
Então
Ele pensou: “E a Terra vai ficar com um céu em cima e não vai
ficar com nada embaixo não, é?” Daí Ele foi e botou o inferno
embaixo da Terra. Ficou bem bonitinho aquele negócio assim azul em
cima e aquele negócio assim vermelho embaixo.
No
começo a Terra só servia pra isso. Pra ficar embaixo do céu e em
cima do inferno. Era pouco, Deus concluiu assim: “Agora que tem a
Terra, eu tenho que inventar gente pra botar lá.” Foi aí que Ele
inventou a vida. E no que inventou a vida já inventou a morte junto,
pois tudo que é vivo morre.
Diz-se
que Ele soprou e apareceu Adão e que da costela de Adão Ele fez
Eva.
Ficaram
dois.
E
ficaram os dois lá, só eles, e o tempo não passava. Como naquele
tempo Deus ainda não tinha inventado o tempo, o antes, o agora, o
depois, ficavam ali no meio, todos eles misturados. Até que um dia
Adão se enfastiou: “Ô, meu Deus do céu, isso não acaba nunca
não, é?” Por sorte, Deus teve a ideia de inventar o dia e a noite
que era pro tempo passar.
No
dia em que Deus inventou o dia, concluiu que, agora, que o tempo ia
passar, ia ter um dia hoje, depois ia ter outro amanhã, e amanhã
ainda ia ter o ontem que foi hoje. Desse modo, Ele inventou o
passado, o presente e o futuro de uma vez só.
Então
vinha a parte mais difícil.
Já
que o povo todo tinha nariz, tinha boca, tinha orelha e tinha olho,
aquilo tudo tinha que ter uma serventia. Os olhos e o nariz já
tinham a deles, pois os olhos serviam pra olhar pro céu e o nariz
pra pessoa respirar enquanto viva e parar de respirar pra poder
morrer em paz. Mas carecia de arranjar utilidade pra boca e pras
orelhas.
Pra
encurtar a história, foi aí que Deus fez o verbo.
Verbo
é como se chamam as palavras.
E
como pra cada palavra tinha que ter uma coisa, Ele teve que inventar
um monte de coisa pra poder ficar uma coisa pra cada palavra.
Era
coisa que não acabava mais.
E
os homens acharam pouco e se botaram a inventar mais coisa ainda.
Desde
o começo do mundo até lá pelo ano 2000, quando começa esta
história, muita coisa aconteceu. E todo esse acontecido foi tudo o
tempo de Antônio, pois tudo que aconteceu só aconteceu pra um dia o
tempo chegar no tempo dele. E só depois achou de acontecer mais um
pouco pra um dia chegar no tempo de agora.
Mas
o tempo de Antônio, chamado assim desse jeito, o tempo de Antônio,
como ficou conhecido esse tempo, o tempo de Antônio começou em
Nordestina.
Adriana
Falcão, in A máquina
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