Eu
amo os que me amam; e os que vigiam desde a manhã, por me buscarem,
achar-me-ão. (Provérbios, VIII, 17)
Uma
tarde — estávamos nos primeiros dias de abril — ela chegou à
nossa casa. Empurrou com naturalidade o portão que vedava o acesso
ao pequeno jardim, como se obedecesse a hábito antigo. Do alpendre,
onde me encontrava, escapou-me uma observação desnecessária:
— E
se tivéssemos um cachorro?
— Não
me atemorizam os cães — retrucou aborrecida.
Com
alguma dificuldade (devia ser pesada a mala que carregava), subiu a
escada. Antes de entrar pela porta principal, voltou-se:
— Nem
os homens tampouco.
Surpreso
por vê-la adivinhar meu pensamento, apressei-me em desfazer a
situação cada vez mais embaraçosa:
— Hoje
o tempo está ruim. Se continuar assim...
Interrompi
a série de bobagens que me ocorria e, encabulado, procurei evitar o
seu olhar repreensivo.
Sorriu
levemente, enquanto eu, nervoso, torcia as mãos.
Logo
a desconhecida se adaptou aos nossos hábitos. Raramente saía e
nunca aparecia à janela.
Talvez
não tivesse reparado no primeiro momento em sua beleza. Bela, mesmo
no desencanto, no seu meio sorriso. Alta, a pele clara, de um branco
pálido, quase transparente, e uma magreza que acusava profundo
abatimento. Os olhos eram castanhos, mas não desejo falar deles.
Jamais me abandonaram.
Cedo
começou a engordar, a ganhar cores e, no rosto, já estampava uma
alegria tranquila.
Não
nos disse o nome, de onde viera e que acontecimentos lhe abalaram a
vida. Respeitávamos, entretanto, o seu segredo. Para nós era ela,
simplesmente ela. Alguém que necessitava de nossos cuidados, do
nosso carinho.
Aceitei
os seus longos silêncios, as suas repentinas perguntas. Uma noite,
sem que eu esperasse, interrogou-me:
— Já
amou alguma vez? Por ser negativa a resposta, deixou transparecer a
decepção. Pouco depois, abandonava a sala, sem nada acrescentar ao
que dissera. Na manhã seguinte, encontramos vazio o seu quarto.
Todos
os dias, mal começava a cair a tarde, eu ia para o alpendre, à
espera de que ela surgisse a qualquer momento na esquina. Minha irmã
Cordélia desaprovava-me:
— É
inútil, ela não voltará. Se você estivesse menos apaixonado, não
teria tanta esperança.
Um
ano após a sua fuga — estávamos novamente em abril — a vi
aparecer no portão. Trazia mais triste a fisionomia, maiores as
olheiras. Dos meus olhos, que se puseram alegres ao vê-la,
desprendeu-se uma lágrima, e disse, esforçando-me para lhe tornar
cordial a recepção:
—
Cuidado,
agora temos uma cadelinha.
— Mas
o dono dela ainda é manso, não? Ou se tornou feroz na minha
ausência?
Estendi-lhe
as mãos, que ela segurou por algum tempo. E, sem conter a minha
ansiedade, indaguei:
— Por
onde andou? O que fez esse tempo todo?
— Andei
por aí e nada fiz. Talvez amasse um pouco — concluiu, sacudindo a
cabeça com tristeza.
A
sua vida entre nós retomou o ritmo da outra vez. Mas eu estava
intranquilo. Cordélia olhava-me penalizada, insinuava que eu não
deveria ocultar mais a minha paixão.
Faltava-me,
contudo, a coragem e adiava a minha primeira declaração de amor.
Meses
depois, Elisa — sim, ela nos disse o nome — partiu de novo.
E
como lhe ficasse sabendo o nome, sugeri à minha irmã que mudássemos
de residência. Cordélia, apegada ao extremo à nossa casa, nada
objetou. Limitou-se a perguntar:
— E
Elisa? Como poderá encontrar-nos ao regressar?
Refreei
a custo a angústia e repeti completamente idiotizado:
— Sim,
como poderá?
Murilo
Rubião, in Obra completa
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