quarta-feira, 4 de abril de 2018

E Damiana não abriu a porta

Faltava muito para o amanhecer. O céu estava cheio de estrelas, gordas, inchadas de tanta noite. A lua havia saído um pouco e depois tinha ido embora. Era uma dessas luas tristes que ninguém olha, que ninguém faz caso. Ficou um tempinho lá, desfigurada, sem dar nenhuma luz, e depois foi se esconder atrás dos morros.
Longe, perdido na escuridão, ouvia-se o bramido dos touros.
Esses animais não dormem nunca” disse Damiana Cisneros. “Nunca dormem. São como o diabo, que anda sempre buscando almas para levar para o inferno.”
Deu voltas na cama, aproximando a cara da parede. Então ouviu as batidas.
Deteve a respiração e abriu os olhos. Tornou a ouvir três batidas secas, como se alguém golpeasse a parede com os nós dos dedos. Não aqui, ao lado dela, e sim mais longe; mas na mesma parede.
Valha-me! Será que serão as três batidas de São Pascual Bailón, que vem avisar a algum devoto que chegou a hora da sua morte?”
E como ela havia perdido a novena fazia tempo, por causa de seus reumatismos, não se preocupou; mas sentiu medo, e mais do que medo, curiosidade.
Levantou-se do catre sem fazer ruído e foi espiar pela janela.
Os campos estavam negros. No entanto conhecia ele tão bem, que reconheceu o corpo enorme de Pedro Páramo entrando pela janela da moça Margarita.
Ah!, esse dom Pedro — disse Damiana. — Não perde a mania. O que não entendo é por que gosta de fazer as coisas tão às escondidas; se tivesse me avisado, eu teria dito para a Margarita que o patrão ia necessitá-la esta noite, e ele não teria tido nem o trabalho de sair da sua cama.
Fechou a janela ao ouvir o mugido dos touros. Jogou-se sobre o catre cobrindo-se até as orelhas, e depois se pôs a pensar no que estaria acontecendo com a Margarita tão formosa.
Mais tarde teve de tirar a camisola porque a noite começou a ficar abafada demais...
Damiana! — ouviu.
Naquele tempo era ela moça.
Abra essa porta, Damiana!
Seu coração tremia como se fosse um sapo saltando entre suas costelas.
Mas para quê, patrão?
Abra, Damiana!
Mas é que estou dormindo, patrão!
Depois sentiu que dom Pedro ia embora pelos corredores compridos, dando aquelas pisadas que sabia dar quando estava irritado.
Na noite seguinte, ela, para evitar aborrecê-lo, deixou a porta encostada e até se despiu para que ele não encontrasse nenhuma dificuldade.
Mas Pedro Páramo jamais a procurou de novo.
Por isso agora, quando era a chefe de todas as serventas da Media Luna, por ter-se dado ao respeito, agora, que já estava velha, ainda pensava naquela noite quando o patrão disse:
Abra essa porta, Damiana!”
E deitou-se pensando em como naquela hora seria feliz a criada Margarita.
Depois tomou a ouvir outras batidas; mas contra a porta grande, como se estivessem arrebentando-a a golpes de fuzil.
Outra vez abriu a janela e espiou a noite. Não se via nada; mas ainda assim achou que a terra estava cheia de ardores, como quando chove e ela se pavimenta de minhocas. Sentia que se levantava uma coisa parecida ao calor de muitos homens. Ouviu o croar das rãs; os grilos; a noite quieta do tempo das águas. Depois tornou a ouvir os golpes de fuzil contra a porta.
Uma lamparina regou sua luz sobre a cara de alguns homens. Depois se apagou.
São coisas que não me interessam”, disse Damiana Cisneros, e fechou a janela.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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