Faltava
muito para o amanhecer. O céu estava cheio de estrelas, gordas,
inchadas de tanta noite. A lua havia saído um pouco e depois tinha
ido embora. Era uma dessas luas tristes que ninguém olha, que
ninguém faz caso. Ficou um tempinho lá, desfigurada, sem dar
nenhuma luz, e depois foi se esconder atrás dos morros.
Longe,
perdido na escuridão, ouvia-se o bramido dos touros.
“Esses
animais não dormem nunca” disse Damiana Cisneros. “Nunca dormem.
São como o diabo, que anda sempre buscando almas para levar para o
inferno.”
Deu
voltas na cama, aproximando a cara da parede. Então ouviu as
batidas.
Deteve
a respiração e abriu os olhos. Tornou a ouvir três batidas secas,
como se alguém golpeasse a parede com os nós dos dedos. Não aqui,
ao lado dela, e sim mais longe; mas na mesma parede.
“Valha-me!
Será que serão as três batidas de São Pascual Bailón, que vem
avisar a algum devoto que chegou a hora da sua morte?”
E
como ela havia perdido a novena fazia tempo, por causa de seus
reumatismos, não se preocupou; mas sentiu medo, e mais do que medo,
curiosidade.
Levantou-se
do catre sem fazer ruído e foi espiar pela janela.
Os
campos estavam negros. No entanto conhecia ele tão bem, que
reconheceu o corpo enorme de Pedro Páramo entrando pela janela da
moça Margarita.
— Ah!,
esse dom Pedro — disse Damiana. — Não perde a mania. O que não
entendo é por que gosta de fazer as coisas tão às escondidas; se
tivesse me avisado, eu teria dito para a Margarita que o patrão ia
necessitá-la esta noite, e ele não teria tido nem o trabalho de
sair da sua cama.
Fechou
a janela ao ouvir o mugido dos touros. Jogou-se sobre o catre
cobrindo-se até as orelhas, e depois se pôs a pensar no que estaria
acontecendo com a Margarita tão formosa.
Mais
tarde teve de tirar a camisola porque a noite começou a ficar
abafada demais...
—
Damiana! — ouviu.
Naquele
tempo era ela moça.
— Abra
essa porta, Damiana!
Seu
coração tremia como se fosse um sapo saltando entre suas costelas.
— Mas
para quê, patrão?
— Abra,
Damiana!
— Mas
é que estou dormindo, patrão!
Depois
sentiu que dom Pedro ia embora pelos corredores compridos, dando
aquelas pisadas que sabia dar quando estava irritado.
Na
noite seguinte, ela, para evitar aborrecê-lo, deixou a porta
encostada e até se despiu para que ele não encontrasse nenhuma
dificuldade.
Mas
Pedro Páramo jamais a procurou de novo.
Por
isso agora, quando era a chefe de todas as serventas da Media Luna,
por ter-se dado ao respeito, agora, que já estava velha, ainda
pensava naquela noite quando o patrão disse:
“Abra
essa porta, Damiana!”
E
deitou-se pensando em como naquela hora seria feliz a criada
Margarita.
Depois
tomou a ouvir outras batidas; mas contra a porta grande, como se
estivessem arrebentando-a a golpes de fuzil.
Outra
vez abriu a janela e espiou a noite. Não se via nada; mas ainda
assim achou que a terra estava cheia de ardores, como quando chove e
ela se pavimenta de minhocas. Sentia que se levantava uma coisa
parecida ao calor de muitos homens. Ouviu o croar das rãs; os
grilos; a noite quieta do tempo das águas. Depois tornou a ouvir os
golpes de fuzil contra a porta.
Uma
lamparina regou sua luz sobre a cara de alguns homens. Depois se
apagou.
“São
coisas que não me interessam”, disse Damiana Cisneros, e fechou a
janela.
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
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