A
republicação feita pelo professor Edwards de vários ensaios meus a
respeito de temas religiosos é motivo de gratidão para mim,
principalmente em vista das observações admiráveis feitas por ele
no prefácio. Fico particularmente feliz por esta oportunidade de
reconfirmar minhas convicções a respeito dos assuntos de que estes
diversos ensaios tratam.
Houve
um rumor nos últimos anos dando conta de que eu andaria apresentando
menos oposição à ortodoxia religiosa do que antes. Esse rumor não
tem absolutamente nenhum fundamento. Penso que todas as grandes
religiões do mundo – budismo, hinduísmo, cristianismo, islamismo
e comunismo – são tanto falsas como nocivas. Por questão de
lógica, é evidente que, como discordam entre si, não mais do que
uma delas pode ser verdadeira. Com pouquíssimas exceções, a
religião que um homem aceita é aquela da comunidade em que ele
vive, o que torna óbvio o fato de que a influência do ambiente é o
que o levou a aceitar a religião em questão. É verdade que os
escolásticos inventaram o que professavam ser argumentos lógicos
para comprovar a existência de Deus, e que esses argumentos, ou
outros de teor similar, foram aceitos por muitos filósofos
eminentes, mas a lógica à qual esses argumentos tradicionais
recorreram é de um tipo aristotélico antiquado, que hoje é
rejeitado por praticamente todos os lógicos, à exceção de alguns,
como os católicos. Entre esses argumentos existe um que não é
puramente lógico. Estou falando do argumento da criação. Esse
argumento, no entanto, foi destruído por Darwin; e, de todo modo, só
poderia ser logicamente respeitável ao custo de abandonar a
onipotência de Deus. Além da força de persuasão da lógica, para
mim há algo um tanto estranho a respeito das avaliações éticas
daqueles que pensam que uma Divindade onipotente, onisciente e
benevolente, depois de preparar o solo por milhões de anos de névoas
sem vida, poderia considerar-se adequadamente recompensado pelo
surgimento final de Hitler, de Stalin e da bomba H.
A
questão da verdade de uma religião é uma coisa, mas a questão de
sua utilidade é outra. Tenho a mesma firme convicção de que as
religiões fazem mal, assim como acredito que não sejam verdadeiras.
O
mal que uma religião faz é de duas espécies: uma depende do tipo
de crença que se atribui a ela, e a outra diz respeito aos dogmas
específicos em que se acredita. Em relação ao tipo de crença:
acredita-se que ter fé é uma virtude – quer dizer, ter uma
convicção que não pode ser abalada por provas contrárias. Ou, se
uma prova contrária pode levar à dúvida, defende-se a supressão
dessa prova contrária. Sob esse preceito, os jovens não têm
permissão de ouvir argumentos, na Rússia, em favor do capitalismo,
ou, na América, em favor do comunismo. Isso mantém a fé de ambos
intacta e pronta para a guerra sangrenta. A convicção de que é
importante acreditar nisso ou naquilo, mesmo que o questionamento
livre não embase a crença, é algo comum a quase todas as religiões
e inspira todos os sistemas educacionais ligados ao Estado. A
consequência disso é que a mente de todos os jovens é tolhida e
preenchida com uma hostilidade fanática tanto em relação àqueles
que têm outros fanatismos e, de maneira ainda mais virulenta,
àqueles que fazem objeção a qualquer fanatismo. O hábito de
embasar convicções em provas, de dar a elas apenas aquele grau de
certeza que a prova admite, caso ele se tornasse geral, curaria a
maior parte dos males de que o mundo sofre. Mas, neste momento, na
maior parte dos países, a educação objetiva impedir o crescimento
de tal hábito, e homens que se recusam a professar sua fé em algum
sistema de dogmas sem fundamento não são considerados professores
adequados para os jovens.
Os
males acima são independentes do credo específico em questão e
existem igualmente em todos os credos que são defendidos de maneira
dogmática. Mas existem também, na maior parte das religiões,
princípios éticos específicos que de fato definem o mal. A
condenação católica dos métodos anticoncepcionais, se pudesse
prevalecer, faria com que a exterminação da pobreza e a abolição
da guerra fossem impossíveis. As crenças hinduístas de que a vaca
é um animal sagrado e que é condenável as viúvas voltarem a se
casar causam um sofrimento bastante inútil. A crença comunista na
ditadura exercida por uma minoria de Verdadeiros Crentes produziu
toda uma seara de abominações.
Às
vezes nos dizem que apenas o fanatismo é capaz de fazer com que um
grupo social se torne eficiente. Penso que isso é totalmente
contrário às lições da história. Mas, de todo modo, apenas
aqueles que se escravizam para louvar o sucesso podem pensar que a
eficiência é admirável sem se importar com seus efeitos. De minha
parte, penso que é preferível fazer um pouco de bem a muito mal. O
mundo que eu desejaria ver seria livre da virulência das
hostilidades grupais e capaz de perceber que a felicidade de todos
deve derivar da cooperação, e não da rivalidade. Eu desejaria ver
um mundo em que a educação se destinasse à liberdade mental, e não
ao aprisionamento da mente dos jovens em uma armadura rígida de
dogmas calculados para protegê-los, ao longo da vida, dos golpes de
evidências tendenciosas. O mundo precisa de corações abertos e
mentes abertas, e isso não pode derivar de sistemas rígidos, sejam
eles velhos ou novos.
Bertrand
Russell, in Por que não sou cristão
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