quinta-feira, 8 de março de 2018

Prefácio de "Por que não sou cristão"

A republicação feita pelo professor Edwards de vários ensaios meus a respeito de temas religiosos é motivo de gratidão para mim, principalmente em vista das observações admiráveis feitas por ele no prefácio. Fico particularmente feliz por esta oportunidade de reconfirmar minhas convicções a respeito dos assuntos de que estes diversos ensaios tratam.
Houve um rumor nos últimos anos dando conta de que eu andaria apresentando menos oposição à ortodoxia religiosa do que antes. Esse rumor não tem absolutamente nenhum fundamento. Penso que todas as grandes religiões do mundo – budismo, hinduísmo, cristianismo, islamismo e comunismo – são tanto falsas como nocivas. Por questão de lógica, é evidente que, como discordam entre si, não mais do que uma delas pode ser verdadeira. Com pouquíssimas exceções, a religião que um homem aceita é aquela da comunidade em que ele vive, o que torna óbvio o fato de que a influência do ambiente é o que o levou a aceitar a religião em questão. É verdade que os escolásticos inventaram o que professavam ser argumentos lógicos para comprovar a existência de Deus, e que esses argumentos, ou outros de teor similar, foram aceitos por muitos filósofos eminentes, mas a lógica à qual esses argumentos tradicionais recorreram é de um tipo aristotélico antiquado, que hoje é rejeitado por praticamente todos os lógicos, à exceção de alguns, como os católicos. Entre esses argumentos existe um que não é puramente lógico. Estou falando do argumento da criação. Esse argumento, no entanto, foi destruído por Darwin; e, de todo modo, só poderia ser logicamente respeitável ao custo de abandonar a onipotência de Deus. Além da força de persuasão da lógica, para mim há algo um tanto estranho a respeito das avaliações éticas daqueles que pensam que uma Divindade onipotente, onisciente e benevolente, depois de preparar o solo por milhões de anos de névoas sem vida, poderia considerar-se adequadamente recompensado pelo surgimento final de Hitler, de Stalin e da bomba H.
A questão da verdade de uma religião é uma coisa, mas a questão de sua utilidade é outra. Tenho a mesma firme convicção de que as religiões fazem mal, assim como acredito que não sejam verdadeiras.
O mal que uma religião faz é de duas espécies: uma depende do tipo de crença que se atribui a ela, e a outra diz respeito aos dogmas específicos em que se acredita. Em relação ao tipo de crença: acredita-se que ter fé é uma virtude – quer dizer, ter uma convicção que não pode ser abalada por provas contrárias. Ou, se uma prova contrária pode levar à dúvida, defende-se a supressão dessa prova contrária. Sob esse preceito, os jovens não têm permissão de ouvir argumentos, na Rússia, em favor do capitalismo, ou, na América, em favor do comunismo. Isso mantém a fé de ambos intacta e pronta para a guerra sangrenta. A convicção de que é importante acreditar nisso ou naquilo, mesmo que o questionamento livre não embase a crença, é algo comum a quase todas as religiões e inspira todos os sistemas educacionais ligados ao Estado. A consequência disso é que a mente de todos os jovens é tolhida e preenchida com uma hostilidade fanática tanto em relação àqueles que têm outros fanatismos e, de maneira ainda mais virulenta, àqueles que fazem objeção a qualquer fanatismo. O hábito de embasar convicções em provas, de dar a elas apenas aquele grau de certeza que a prova admite, caso ele se tornasse geral, curaria a maior parte dos males de que o mundo sofre. Mas, neste momento, na maior parte dos países, a educação objetiva impedir o crescimento de tal hábito, e homens que se recusam a professar sua fé em algum sistema de dogmas sem fundamento não são considerados professores adequados para os jovens.
Os males acima são independentes do credo específico em questão e existem igualmente em todos os credos que são defendidos de maneira dogmática. Mas existem também, na maior parte das religiões, princípios éticos específicos que de fato definem o mal. A condenação católica dos métodos anticoncepcionais, se pudesse prevalecer, faria com que a exterminação da pobreza e a abolição da guerra fossem impossíveis. As crenças hinduístas de que a vaca é um animal sagrado e que é condenável as viúvas voltarem a se casar causam um sofrimento bastante inútil. A crença comunista na ditadura exercida por uma minoria de Verdadeiros Crentes produziu toda uma seara de abominações.
Às vezes nos dizem que apenas o fanatismo é capaz de fazer com que um grupo social se torne eficiente. Penso que isso é totalmente contrário às lições da história. Mas, de todo modo, apenas aqueles que se escravizam para louvar o sucesso podem pensar que a eficiência é admirável sem se importar com seus efeitos. De minha parte, penso que é preferível fazer um pouco de bem a muito mal. O mundo que eu desejaria ver seria livre da virulência das hostilidades grupais e capaz de perceber que a felicidade de todos deve derivar da cooperação, e não da rivalidade. Eu desejaria ver um mundo em que a educação se destinasse à liberdade mental, e não ao aprisionamento da mente dos jovens em uma armadura rígida de dogmas calculados para protegê-los, ao longo da vida, dos golpes de evidências tendenciosas. O mundo precisa de corações abertos e mentes abertas, e isso não pode derivar de sistemas rígidos, sejam eles velhos ou novos.
Bertrand Russell, in Por que não sou cristão

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