Não
é nenhum grande ato que desperta o amor, não é um heroísmo, uma
atitude exemplar, um feito impressionante.
O
que faz um homem amar uma mulher e uma mulher amar um homem é tão
pessoal que é possível passar uma vida inteira sem desvendar o
motivo. Não é necessário ter consciência para ser feliz. Não é
fundamental entender para amar. Mas é mais bonito.
Fico
me perguntando o que inspirou minha confiança na Cínthya. Qual foi
a delicadeza que ela cometeu a ponto de me viciar no convívio? O que
realizou no começo do relacionamento que mexeu comigo e não quis
mais abandoná-la?
O
que ela aprontou de errado que deu tão certo? O que me pôs a
repeti-la um dia atrás do outro sem cansar? O que me seduziu de tal
forma que entrei uma vez em sua casa com uma mochila e voltei com uma
mala?
Talvez
tenha sido sua simplicidade. Eu me impressiono com o que é
espontâneo. Não havia quadros em suas paredes, nem estantes. A
única coisa que estava de pé era o violão.
Aquilo
me emocionou: a música de sentinela. Ela brincou:
— O
violão é meu confidente, meu melhor amigo.
Inventei
de dedilhar as cordas para descobrir logo seus segredos, só que
desafinei e ri envergonhado. Não estava maduro para o mistério, não
merecia ainda suas lembranças, dependia de mais cumplicidade.
Mas
não foi isso, ou somente isso; sempre tem algo que se soma.
Acho
que ela travou meu olhar na hora em que passeávamos de carro pela
orla do Guaíba. Estreava na rádio a canção “Janta”, de
Marcelo Camelo e Mallu Magalhães.
“Eu
ando em frente por sentir vontade...”
Cínthya
cantava sem conhecer a letra. Aprendia a letra enquanto cantava.
Longe do medo da gafe. Em voz alta, errando, tropeçando, gravando o
refrão. Completava os trechos que não entendia com melodia e
dirigia as rimas até o fim. Descobri que ela tinha coragem. Não
iria temer um desafio. Mesmo que fosse complicado como eu.
Pensando
bem, me rendi no café da manhã. Quando ela me ofereceu um saco de
bolachas doces do bairro da Liberdade. Eu peguei as redondas,
perfeitas, para explodi-las com exclusividade em meus dentes.
Ela
não; ciscou os farelos. Optou pelas bolachas partidas. Do fundo,
recolhia os pequenos retângulos, triângulos, quadrados desiguais.
Compadecida do pouco, enamorada da miudeza.
Um
gesto silencioso que me cativou. Cuidava de mim já na primeira manhã
juntos. Comia as quebradas para me deixar as inteiras. Havia cinco ou
seis bolachas intactas:
— Toma,
por favor...
Reprisando
nossa vida, ela avisou, naquele momento, que nunca partiria meu
coração.
Fabrício
Carpinejar, in Ai meu Deus, ai meu Jesus
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