Sempre
fui louco por jardins. Uns acham que eu não acredito em Deus. Como
não acreditar em Deus se há jardins? Um jardim é a face visível
de Deus. E essa face me basta. Não tenho necessidade de ir olhar
atrás das estrelas... Escrevi inúmeros textos sobre jardins. Num
jardim estou no paraíso. Mas, que foi que fiz com o meu jardim?
Abandonei. A caixa das abelhinhas apodreceu, caiu a tampa e eu não
fiz nada. Cresceu o mato, eu não fiz nada. Da fonte tirei os peixes,
coitados... De um lugar de prazer, onde se assentar em abençoada
vadiação contemplativa, meu jardim virou um lugar de passagem.
Abandonei o meu amigo, por causa do dever. Para o inferno com o
dever! Vou mesmo é cuidar do meu jardim. Por prazer meu. E pela
alegria das minhas netas. Vou reformar a fonte, vou fazer um balanço
(que os paulistas insistem em chamar de balança...), vou reformar o
gramado, vou refazer a casa das abelhinhas, vou fazer uma cobertura
para as orquídeas. E mais, vou fazer uma “casinha de bruxa”,
cheia de brinquedos, para as minhas netas, a Mariana, a Camila, a Ana
Carolina, a Rafaela e a Bruna... Quero brincar com elas. Em breve
elas terão crescido e não mais terei netas com quem brincar. “Mas
o melhor do mundo são as crianças...”
Vou
voltar a tocar piano – coisas fáceis: a “Fantasia”, de Mozart,
a “Träumerai”, de Schumann, o Improviso op. 90, n. 4, de
Schubert, o prelúdio da “Gota d’água”, de Chopin, alguns
adágios de sonatas de Beethoven.
Quero
ouvir músicas: aquelas que fazem parte da minha alma. Pois a alma,
no seu lugar mais fundo, está cheia de música. E, sem precisar me
desculpar pelo meu gosto, digo que amo música erudita. Música
erudita é aquela que nos faz comungar com a eternidade. As outras
são bonitas e gostosas – mas são coisa do tempo.
Quero
reler alguns livros. Vou relê-los porque é sempre uma alegria
caminhar por caminhos conhecidos e esquecidos. É como se fosse pela
primeira vez.
Não
quero novidades. Não vou comprar apartamentos ou terrenos. Não
quero viajar por lugares que desconheço. Eliot: “E ao final de
nossas longas explorações chegaremos finalmente ao lugar de onde
partimos e o conheceremos então pela primeira vez...”. É isso.
Voltar às minhas origens, às coisas de Minas que tanto amo... a
cozinha, os jardins de trevo, a malva, as romãs e os manacás, as
montanhas, os riachinhos, as caminhadas...
Há
coisas que só poderei gozar em solidão. Ninguém é obrigado a
gostar das músicas que amo. Entrando nesse mundo, gozarei de
abençoada solidão. Lugar bom para se ouvir música assim é guiando
o carro, sozinho, sem precisar conversar.
Mas
quero meus amigos. Não do jeito do Roberto Carlos, que queria ter um
milhão de amigos. Não é possível ter um milhão de amigos. Quero
meus poucos amigos. Amigos: pessoas em cuja presença não é preciso
falar...
“Estou
tentando, estou começando. Espero conseguir...”
Rubem
Alves, in Variações sobre o prazer
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