sábado, 3 de fevereiro de 2018

Uma raça de cozinheiros


Um passo importante rumo ao topo foi a domesticação do fogo. Já há 800 mil anos, algumas espécies humanas faziam uso esporádico do fogo. Por volta de 300 mil anos atrás, os Homo erectus, os neandertais e os antepassados do Homo sapiens usavam o fogo diariamente. Os humanos agora tinham uma fonte confiável de luz e de calor e uma arma letal contra os leões à espreita. Não muito tempo depois, os humanos podem até mesmo ter começado a deliberadamente a fazer queimadas em suas áreas. Um fogo cuidadosamente manejado podia transformar bosques cerrados intransponíveis em campos cheios de animais de caça. Além disso, quando o fogo se apagava, os empreendedores da Idade da Pedra podiam caminhar pelos restos fumegantes e coletar animais, nozes e tubérculos carbonizados. Mas a melhor coisa que o fogo possibilitou foi o hábito de cozinhar.
Alimentos que os humanos não conseguem digerir em sua forma natural – como trigo, arroz e batata – se tornaram itens essenciais da nossa dieta graças ao cozimento. O fogo não só mudava a química dos alimentos; mudava também sua biologia. Cozinhar matava germes e parasitas que infestavam os alimentos. Também passou a ser muito mais fácil para os humanos mastigar e digerir seus alimentos favoritos, como frutas, nozes, insetos e carniça, se cozidos. Enquanto os chimpanzés passam cinco horas por dia mastigando alimentos crus, uma hora é suficiente para as pessoas comerem alimentos cozidos.
O advento do hábito de cozinhar possibilitou aos humanos comer mais tipos de comida, dedicar menos tempo à alimentação e se virar com dentes menores e intestino mais curto. Alguns estudiosos acreditam que existe uma relação direta entre o advento do hábito de cozinhar, o encurtamento do trato intestinal e o crescimento do cérebro humano. Considerando que tanto um intestino longo quanto um cérebro grande consomem muita energia, é difícil ter os dois ao mesmo tempo. Ao encurtar o intestino e reduzir seu consumo de energia, o hábito de cozinhar inadvertidamente abriu caminho para o cérebro enorme dos neandertais e dos sapiens.
O fogo também abriu a primeira brecha significativa entre o homem e os outros animais. O poder de quase todos os animais depende de seu corpo: a força de seus músculos, o tamanho de seus dentes, a envergadura de suas asas. Embora possam fazer uso de ventos e correntes, são incapazes de controlar essas forças da natureza e estão sempre limitados por sua estrutura física. As águias, por exemplo, identificam colunas térmicas emanando do solo, abrem suas asas gigantes e permitem que o ar quente as faça alçar voo, mas não podem controlar a localização das colunas térmicas, e sua capacidade máxima de carga é estritamente proporcional à envergadura de suas asas.
Ao domesticar o fogo, os humanos ganharam controle de uma força obediente e potencialmente ilimitada. Ao contrário das águias, os humanos podiam escolher onde e quando acender uma chama, e foram capazes de explorar o fogo para inúmeras tarefas. O que é mais importante, o poder do fogo não era limitado pela forma, estrutura ou força do corpo humano. Uma única mulher com uma pedra ou vareta podia produzir fogo para queimar uma floresta inteira em uma questão de horas. A domesticação do fogo foi um sinal do que estava por vir.
Yuval Noah Harrari, in Sapiens: uma breve história da humanidade

Nenhum comentário:

Postar um comentário