Quem
mata um gato tem sete anos de atraso. Solteiro que pisar rabo de gato
não casa dos primeiros doze meses. Gato transmite asma. Engasgado,
anuncia fome. Gato preto é agouro ou felicidade. Sendo de casa, para
ele convergem os malefícios e deixa a família em paz. Sendo
estranho, está trazendo as desgraças alheias.
Assim
pensam na Europa. Carlos I de Inglaterra tinha um gato preto como
amuleto. Morreu o gato e o Rei exclamou: “My luck is gone!”.
E era verdade. “lt had. Next day he was arrested”, informa
Mr. Radford. O Barão do Rio Branco não os podia ver.
Não
há animal que tenha maior número de suspeitas que o gato,
companheiro amável ou hóspede intruso e detestado, também
merecedor dos maiores elogios em prosa e verso de que existe notícia
na espécie.
Pintado
pelos mestres, esculpido pelos grandes, imóvel em porcelana, marfim,
ouro, prata, tornado amuleto, passeando nas pulseiras, colares,
brincos, broches femininos, é modelo de uma Histoire des chats
(Paris, 1727), de Paradis de Moncrif, da Academia Francesa. A senhora
Christabel Aberconway publicou (Londres, 1949) A dictionary of a
cat lovers, com mais de duzentas biografias de amigos do felino,
célebres em letras, artes, política, armas, economia. Cita apenas
os mortos. Entre os vivos estavam Colette, La Gata, e o poeta T. S.
Eliot, autor do Old possun book of practical cat. Félix
Pacheco, Boudelaire e os gatos (Rio de Janeiro, 1934), compendiara
muita notícia literária sobre o assunto. Tivemos mesmo uma famosa
polêmica entre o brasileiro Tobias Monteiro, pelo gato, e o
português Visconde de Santo Thirso, pelo cão.
Sou
pelo cachorro. Teluricamente.
O
povo não é realmente muito amigo do gato e sim de sua utilidade
venatória, dedicada aos ratos. Senhorial, egoísta, esquivo,
traiçoeiro, o gato é desdenhoso, fiel à casa e não ao
proprietário. Ao conforto dos hábitos e nunca à pessoa que os
proporciona. Mas é elegante, nervoso, magnético, incomparável nos
gestos lentos, no espreguiçamento de odalisca entediada, nas graças
sucessivas das atitudes originais e aristocráticas. Parece sempre
superior ao dono da casa.
O
brasileiro recebeu o gato do colonizador português e com ele as
superstições. O português ama e teme o gato, numa ambivalência
que o faz tratá-lo como a uma criança mimada ou divertir-se pondo-o
dentro de um pote para partir às cacetadas ou pendurá-lo, vivo e
miante, num alto do poste, numa vasilha, sobre a crepitante fogueira
nas tardes festivas do fim das colheitas. Nós temos o gato no
pote, inseparável nas alegrias festeiras, fiéis ao tempo velho.
Do
Oriente, teve o português o respeito vagamente tenebroso ao gato.
Viera com os orientais que se fixaram na Península Ibérica tantos
séculos. Sua domesticação foi na África, entre os núbios. A
presença no Egito não parece imediata, pois as primeiras dinastias
não o tiveram. Mariette não encontrou desenhos de gatos nos túmulos
de Sakara, 4500 anos antes de Cristo. Figuravam bois, asnos, cães,
macacos, antílopes, gazelas, gansos, patos, cegonhas domésticas,
pombas, galinhas da Numídia, as nossas guinés mas não camelos,
girafas, elefantes, carneiros, galinhas e gatos. Espalhou-se em tipos
inumeráveis pelo Oriente e fez da China um centro de irradiação.
Gregos
e romanos não conheceram o gato e sua introdução mais viva na
Europa é na Era Cristã. Essa é a lição dos mestres etnógrafos
que não leram Aristófanes, na Festas de Ceres, 412 anos
antes de Cristo, onde o gato era popular e já ladrão do jantar
alheio, nas residências de Atenas.
Dizem-no
raro na Inglaterra do século X e sua popularidade na França é de
meados do século XVI. A dispersão europeia ter-se-ia verificado nos
finais da Idade Média e multiplicado quando do ciclo das navegações,
especialmente italianas. O português tê-lo-ia pelo árabe durante o
domínio e também como carregamento de bicho raro em datas finais do
século XV. Não há vestígio pré-histórico europeu. Ausente das
palafitas.
Na
Inglaterra deu, no século XVII, origem a lenda popular e querida do
Whittington’s cat. O herói tivera apenas um gato por
herança e levara-o para terras infestadas pelos ratos e que
desconheciam o gato. Fez fortuna. Voltou rico e foi Lorde Mayor de
Londres. A lenda foi dispersa por quase toda a Europa, inclusive
Escandinávia e Rússia. Popularíssimo se tornou o gato na França
com o Maistre chat ou Chat botté, publicado por Charles
Perrault em 1697 e que nascera de um conto do Pentamerone, de
Giambattista Basile, Nápoles, 1634, mas anteriormente aproveitado o
tema por Straparola, 1560, Piacevoli notti. O conto é popular
em Portugal, de onde o tivemos, mas não tem grande repercussão na
literatura oral brasileira. É uma estória lida e não ouvida.
Ausente das nossas velhas coleções. Sagrado no Egito e com presença
veneranda, custando a vida de quem o matava mesmo acidentalmente.
Incontáveis múmias que Gaillard et Daressy recensearam (Faune
momifée de l’ancienne Egypte, Le Cairo, 1905).
Para
curar a coqueluche que ele provoca, come-se o gato assado. Quando de
mudança, o gato vai dentro de um saco, com azeite bezuntado ao
focinho para perder o rumo da casa antiga. Gato preto é sinônimo do
Diabo. Nenhum santo o escolheu para companheiro. O indígena que
adorou o cão, muito pouca simpatia teve pelo gato. O malandro
carioca descobriu que o couro do gato era matéria-prima para cuíca
e tamborim. “Mas veio o samba. E com o samba veio a cuíca. E para
a cuíca, o malandro descobriu que o couro mais forte e mais
harmônico é o do gato” (Orestes Barbosa, Samba, Rio de
Janeiro, 1933). Noel Rosa aconselhava-o para o tamborim.
Luís
da Câmara Cascudo, in Coisas que o povo diz
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