Eu
sei, eu sei. Às vezes parece que nada adianta, que nada vai dar
certo, que quem escapar da miséria, do assaltante, da bala perdida e
da bomba do terrorista a epidemia pega, e que o fim dos tempos está
ali na esquina. Mas pense o seguinte: você pertence a uma raça de
vencedores. Os antepassados de toda a sua raça — a humana — têm,
todos, as mesmas características positivas em comum. Todos, sem
exceção, atingiram a maturidade, pelo menos sexual. Todos
sobreviveram a pestes, guerras, má nutrição e desastres naturais e
chegaram à idade de ter filhos. E todos — olha só a sua sorte —
eram férteis. Não eram, necessariamente, todos heterossexuais, mas
pelo menos uma vez na vida foram. E, por acidente ou não, tiveram
pelo menos um filho com um parceiro do outro sexo.
Quer
dizer, você pertence a uma linhagem admirável que nunca se deixou
abater e venceu todos os obstáculos para que você e a sua raça
estivessem aqui hoje, se queixando da vida. Você mesmo não se dá
conta do que passou para existir. Do seu feito, do seu mérito em
sair do nada — ou quase nada, uma larva — e ficar desse tamanho.
Não pense que você estava sozinho no sêmen do seu pai. Que era
moleza, só chegar no útero da sua mãe assoviando e pimba, fecundar
o óvulo. Havia milhões de outros espermatozoides no sêmen do seu
pai, naquela particular jornada. Milhões. E não era, assim, como a
São Silvestre, em que já se conhece antes os prováveis vencedores.
Ou como a Fórmula Um, em que o resto da equipe trabalha para um
vencedor designado. Ninguém é favorito, ninguém é azarão na
corrida para o óvulo. E não tem aquela de “Passa, irmãozinho”,
“Não, passa você”. Era cada um por si. E você venceu! O
espermatozoide que deu em você derrotou milhões de espermatozoides
que deram em nada e chegou na frente. Aquele berro que você deu ao
nascer foi um grito de vitória, um “Primeirão!” em linguagem de
recém-nascido, guardado na garganta durante nove meses. E você
tinha todas as razões para festejar. Como hoje tem todas as razões
para se sentir um vencedor, membro de uma casta de vencedores — os
que nasceram, os que estão aí. Pense naqueles espermatozoides que
não conseguiram. Que tinham o mesmo objetivo, a mesma vontade de ser
alguma coisa na vida, e fracassaram. Para eles não adiantava chegar
em segundo. Não havia vice. E nem repescagem. Ou chegavam em
primeiro ou estavam condenados a não existir. E o primeiro, o
primeirão, foi você. Deveria constar do nosso currículo. “Vencedor
da Corrida para o Óvulo”, o local e a data. E não deveríamos
precisar de nenhuma outra referência ou prova de capacidade.
*
* *
Eu
sei, eu sei. Às vezes parece que a corrida para o óvulo não
terminou, que aquela era apenas uma prova eliminatória e a outra, a
que vale, duraria toda a vida, você contra outros espermatozoides
que deram certo. Só os campeões, competindo por dinheiro, sucesso e
posição no mundo, em vez de no útero. Com a diferença de que,
nesta corrida, contam origem, diploma e pistolão, e uma minoria tem
mais possibilidade de vitória do que a maioria. Mas não desanime.
Convença-se de que você é um vencedor e vem de uma longa linha de
vencedores, que prevaleceram apesar de tudo. E se tudo o mais
falhar... Bem, a chance de você ganhar na Mega Sena é exatamente
igual à de o seu espermatozoide ser o primeiro a chegar ao óvulo.
Quer dizer, você já tem uma história de boa sorte.
Luís
Fernando Veríssimo, in
Amor veríssimo
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