— O
que ela está dizendo, Juan Preciado?
— Diz
que ela escondia os pés entre as pernas dele. Seus pés gelados como
pedras frias e que ali se esquentavam como num forno onde se doura o
pão. Diz que ele mordia seus pés dizendo a ela que eram como pão
dourado no forno. Que dormia encolhida, metendo-se dentro dele,
perdida no nada ao sentir que sua carne se quebrava, que se abria
como um sulco aberto por um prego ardoroso, depois morno, depois
doce, dando golpes duros contra sua carne macia; mergulhando e
mergulhando, até o gemido. Mas que a morte dele tinha doído ainda
mais. Isso é o que ela diz.
— Ela
está se referindo a quem?
— A
alguém que morreu antes dela, na certa.
— Mas
quem será?
— Não
sei. Diz que na noite em que ele demorou a chegar sentiu que havia
regressado já noite alta, ou talvez de madrugada. Mal reparou,
porque seus pés, que tinham ficado solitários e frios, pareceram
envolver-se em alguma coisa; que alguém os envolvia com alguma coisa
e lhes dava calor. Quando acordou encontrou-os enrolados num jornal
que ela tinha lido, enquanto esperava por ele e que tinha deixado
cair no chão quando não aguentou mais de sono. E que lá estavam
seus pés enrolados no jornal, quando vieram dizer a ela que ele
tinha morrido.
— Devem
ter quebrado o caixão onde a enterraram, porque dá para ouvir uma
espécie de ranger de tábuas.
— É
mesmo, eu também ouço.
Naquela
noite tornaram a suceder-se os sonhos. Por que esse recordar intenso
de tantas coisas? Por que não simplesmente a morte e não essa
música doce do passado?
—
Florencio morreu, senhora.
Como
aquele homem era comprido! Que alto! E sua voz era dura. Seca como a
terra mais seca. E sua figura era borrosa, ou se tornou borrosa
depois?, como se entre ela e ele se interpusesse a chuva. “O que
tinha dito? Florencio? De que Florencio ela falava? Do meu? Ah!, por
que não chorei e me alaguei então em lágrimas para enxugar minha
angústia? Senhor, tu não existes! Pedi tua proteção para ele. Que
cuidasses dele. Isso eu te pedi. Mas tu só te ocupas das almas. E o
que eu quero dele é seu corpo. Nu e quente de amor; fervendo de
desejo; amassando o tremor de meus seios e de meus braços. Meu corpo
transparente suspenso pelo dele. Meu corpo leve preso e solto às
suas forças. O que farei agora com meus lábios sem sua boca para
preenchê-los? O que farei de meus lábios doloridos?”
Enquanto
Susana San Juan se revolvia inquieta, de pé, ao lado da porta, Pedro
Páramo a olhava e contava os segundos daquele novo sonho que já
durava muito. O óleo da lamparina faiscava e a chama tornava seu
pestanejar cada vez mais débil. Logo se apagaria.
Se
pelo menos fosse dor o que ela sentisse, e não esses sonhos sem
sossego, esses intermináveis e esgotadores sonhos, ele poderia
buscar-lhe algum consolo. Assim pensava Pedro Páramo, os olhos fixos
em Susana San Juan, seguindo cada um de seus movimentos. O que
aconteceria se ela também se apagasse como se apagou a chama daquela
luz débil com a qual ele a via?
Depois
saiu fechando a porta sem fazer ruído. Lá fora, o ar limpo da noite
descolou de Pedro Páramo a imagem de Susana San Juan.
Ela
acordou um pouco antes do amanhecer. Suada. Jogou no chão as
cobertas pesadas e se desfez até do calor dos lençóis. Então seu
corpo ficou nu, refrescado pelo vento da madrugada. Suspirou e em
seguida tornou a adormecer.
Foi
assim que horas depois o padre Rentería a encontrou: nua e
adormecida.
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
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