sábado, 17 de fevereiro de 2018

Eu, o malacólogo


Foi publicado num jornal do Chile há anos que quando meu bom amigo, o célebre professor Julian Huxley, chegou a Santiago, no aeroporto perguntou por mim.
- O poeta Neruda? - responderam os jornalistas.
- Não, não conheço nenhum poeta Neruda. Quero falar com o malacólogo Neruda.
Esta palavra grega, malacólogo, significa especialista em moluscos.
Deu-me grande prazer esta historinha feita para me aborrecer e que não podia ser verdadeira porque conhecia Huxley fazia anos e ele era certamente um sujeito brilhante e muito mais vivo e autêntico do que seu famoso irmão Aldous.
No México andei pelas praias, mergulhei nas águas transparentes e cálidas e recolhi maravilhosas conchas marinhas. Depois, em Cuba e em outros lugares, assim como por intercâmbio e compra, presente e roubo (não há colecionador honrado), meu tesouro marinho foi-se acrescentando até encher quartos e quartos da minha casa.
Tive as espécies mais raras dos mares da China e Filipinas, do Japão e do Báltico; caracóis antárticos e polymitas cubanas; ou caracóis pintores vestidos de vermelho e açafrão, azul e cor de amora, como bailarinas do Caribe. Para dizer a verdade, as poucas espécies que me faltaram foram as de um caracol de terra do Mato Grosso brasileiro, que vi certa vez e não pude comprar nem viajar para a selva para apanhá-lo. Era totalmente verde, com uma beleza de esmeralda jovem.
Exagerei esse caracolismo até visitar mares remotos. Meus amigos também começaram a buscar conchas marinhas, a se encaracolar.
Quanto aos que me pertenciam, quando já passavam de quinze mil, começaram a ocupar todas as estantes e a cair das mesas e das cadeiras. Os livros de caracologia ou malacologia, como são chamados, encheram minha biblioteca. Um dia agarrei tudo e, em caixotes imensos, levei-os à universidade do Chile, fazendo assim minha primeira doação à Alma Mater. Era já uma coleção famosa. Como boa instituição sul-americana, minha universidade recebeu-os com louvores e discursos e sepultou-os no porão. Nunca mais foram vistos.
Pablo Neruda, in Confesso que vivi

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