— Está
sabendo, dom Pedro, que derrotaram o Sucuri?
— Sei
que teve algum tiroteio ontem à noite, porque deu para ficar ouvindo
o tumulto; mas daí em diante não sei mais nada. Quem foi que contou
isso, Gerardo?
—
Chegaram uns feridos a Comala. Minha
mulher ajudou nessa coisa dos curativos. Disseram que eram do pessoal
de Damasio e que tinham tido muitos mortos. Parece que se encontraram
com uns sujeitos que se dizem de Pancho Villa.
— Que
caralho, Gerardo! Estou vendo tempos ruins chegando. E o que você
está pensando em fazer?
— Eu
vou-me embora, dom Pedro. Para Sayula. E lá, vou me estabelecer de
novo.
— Vocês
advogados têm essa vantagem; podem levar seu patrimônio a tudo que
é lugar, pelo menos enquanto alguém não arrebentar suas fuças.
— Nem
pense nisso, dom Pedro; tem os nossos problemas. Além do mais dói
deixar pessoas como o senhor, e as deferências que o senhor teve
comigo a gente sempre sente falta. Nosso mundo muda o tempo todo, se
é válido dizer assim. Onde o senhor quer que eu deixe os seus
papéis?
— Não
deixe os papéis. Leve tudo. Ou será que você não vai poder
continuar cuidando de meus assuntos lá onde vai estar?
—
Agradeço a sua confiança, dom Pedro.
Agradeço sinceramente. Embora deva fazer a aclaração de que para
mim vai ser impossível. Certas irregularidades... Digamos...
Depoimentos que ninguém além do senhor deve conhecer. Podem
prestar-se a manipulações ruins no caso de cair em outras mãos. O
mais seguro é que fiquem aqui com o senhor.
— Você
disse bem, Gerardo. Deixa tudo aqui. Vou queimar os papéis. Com
papéis ou sem eles, quem pode discutir comigo a propriedade do que
tenho?
— Sem
sombra de dúvida, ninguém, dom Pedro. Ninguém. Com licença.
— Vá
com Deus, Gerardo.
— O
que foi que o senhor disse?
— Eu
disse que Deus o acompanhe.
O
doutor Gerardo Trujillo saiu devagar. Já estava velho; mas não para
dar passos tão curtos, tão desanimados. A verdade é que ele
esperava uma recompensa. Havia servido a dom Lucas, que em paz
descanse, o pai de dom Pedro; depois, e ainda, a dom Pedro; e depois
a Miguel, o filho de dom Pedro. A verdade é que ele esperava uma
compensação. Uma retribuição grande e valiosa. Dissera à mulher:
— Vou
me despedir de dom Pedro. Sei que ele vai me gratificar. Estou quase
dizendo que com o dinheiro que ele vai me dar nos estabeleceremos bem
em Sayula e vamos viver com folga o resto dos nossos dias.
Mas
por que as mulheres sempre têm alguma dúvida? Recebem avisos do
céu, ou o quê? Ela não pareceu estar segura nem mesmo de que ele
receberia alguma coisa:
— Lá,
você vai ter de trabalhar duro e muito para levantar a cabeça.
Daqui você não arranca nada.
— Por
que está dizendo isso?
— Eu
sei.
Continuou
andando até a porta, atento a qualquer chamado: “Ei, Gerardo!
Estou tão preocupado que não me permiti pensar em você. Mas eu lhe
devo favores que o dinheiro não paga. Receba isto: um presente
insignificante.”
Mas
o chamado não veio. Cruzou a porta e desamarrou o cabresto com que
seu cavalo estava amarrado à forquilha. Subiu na sela e, em marcha
curta, tratando de não se afastar muito para ouvir se o chamasse,
caminhou até Comala sem se desviar do caminho. Quando viu que a
Media Luna se perdia atrás, pensou: “Seria me rebaixar demais
pedir a ele um empréstimo.”
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
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