terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Derrotaram o Sucuri

— Está sabendo, dom Pedro, que derrotaram o Sucuri?
— Sei que teve algum tiroteio ontem à noite, porque deu para ficar ouvindo o tumulto; mas daí em diante não sei mais nada. Quem foi que contou isso, Gerardo?
— Chegaram uns feridos a Comala. Minha mulher ajudou nessa coisa dos curativos. Disseram que eram do pessoal de Damasio e que tinham tido muitos mortos. Parece que se encontraram com uns sujeitos que se dizem de Pancho Villa.
— Que caralho, Gerardo! Estou vendo tempos ruins chegando. E o que você está pensando em fazer?
— Eu vou-me embora, dom Pedro. Para Sayula. E lá, vou me estabelecer de novo.
— Vocês advogados têm essa vantagem; podem levar seu patrimônio a tudo que é lugar, pelo menos enquanto alguém não arrebentar suas fuças.
— Nem pense nisso, dom Pedro; tem os nossos problemas. Além do mais dói deixar pessoas como o senhor, e as deferências que o senhor teve comigo a gente sempre sente falta. Nosso mundo muda o tempo todo, se é válido dizer assim. Onde o senhor quer que eu deixe os seus papéis?
— Não deixe os papéis. Leve tudo. Ou será que você não vai poder continuar cuidando de meus assuntos lá onde vai estar?
— Agradeço a sua confiança, dom Pedro. Agradeço sinceramente. Embora deva fazer a aclaração de que para mim vai ser impossível. Certas irregularidades... Digamos... Depoimentos que ninguém além do senhor deve conhecer. Podem prestar-se a manipulações ruins no caso de cair em outras mãos. O mais seguro é que fiquem aqui com o senhor.
— Você disse bem, Gerardo. Deixa tudo aqui. Vou queimar os papéis. Com papéis ou sem eles, quem pode discutir comigo a propriedade do que tenho?
— Sem sombra de dúvida, ninguém, dom Pedro. Ninguém. Com licença.
— Vá com Deus, Gerardo.
— O que foi que o senhor disse?
— Eu disse que Deus o acompanhe.
O doutor Gerardo Trujillo saiu devagar. Já estava velho; mas não para dar passos tão curtos, tão desanimados. A verdade é que ele esperava uma recompensa. Havia servido a dom Lucas, que em paz descanse, o pai de dom Pedro; depois, e ainda, a dom Pedro; e depois a Miguel, o filho de dom Pedro. A verdade é que ele esperava uma compensação. Uma retribuição grande e valiosa. Dissera à mulher:
— Vou me despedir de dom Pedro. Sei que ele vai me gratificar. Estou quase dizendo que com o dinheiro que ele vai me dar nos estabeleceremos bem em Sayula e vamos viver com folga o resto dos nossos dias.
Mas por que as mulheres sempre têm alguma dúvida? Recebem avisos do céu, ou o quê? Ela não pareceu estar segura nem mesmo de que ele receberia alguma coisa:
— Lá, você vai ter de trabalhar duro e muito para levantar a cabeça. Daqui você não arranca nada.
— Por que está dizendo isso?
— Eu sei.
Continuou andando até a porta, atento a qualquer chamado: “Ei, Gerardo! Estou tão preocupado que não me permiti pensar em você. Mas eu lhe devo favores que o dinheiro não paga. Receba isto: um presente insignificante.”
Mas o chamado não veio. Cruzou a porta e desamarrou o cabresto com que seu cavalo estava amarrado à forquilha. Subiu na sela e, em marcha curta, tratando de não se afastar muito para ouvir se o chamasse, caminhou até Comala sem se desviar do caminho. Quando viu que a Media Luna se perdia atrás, pensou: “Seria me rebaixar demais pedir a ele um empréstimo.”
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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