Era
bem tarde da noite quando a pequena Musgo ancorou
tranquilamente, e Queequeg e eu desembarcamos; assim, não pudemos
fazer outra coisa a não ser comer e dormir. O proprietário da
Estalagem do Jato nos tinha recomendado seu primo Hosea Hussey do
Caldeirões, que disse ser um dos melhores hotéis em Nantucket;
também nos assegurou que o Primo Hosea, como o chamava, era famoso
por suas caldeiradas. Em suma, dera claramente a entender que não
havia melhor opção do que tentar a caldeiradazinha caseira do
Caldeirões. Mas as indicações que nos deu, sobre manter um armazém
amarelo a estibordo até avistar uma igreja branca, a qual deveríamos
manter a bombordo, depois virar três pontos para estibordo numa
esquina, e perguntar à primeira pessoa que encontrássemos onde
ficava o tal lugar; essa explicação enviesada provocou uma certa
confusão, especialmente no princípio, quando Queequeg insistiu que
o armazém amarelo – nosso primeiro ponto de partida – devia
ficar a bombordo, ao passo que eu tinha entendido Peter Coffin dizer
que ficava a estibordo. Por fim, à força de procurar um pouco no
escuro, de acordar de vez em quando um habitante amistoso para
perguntar o caminho, chegamos a um ponto que não poderia estar
errado.
Dois
enormes caldeirões de madeira, pintados de preto, pendiam suspensos
pelos aros nos curvatões de um velho mastaréu de gávea colocado em
frente à velha entrada. Os chifres dos curvatões tinham sido
serrados de um lado, fazendo com que o mastro se parecesse, e não
pouco, com uma forca. Talvez eu estivesse muito impressionado naquela
ocasião, mas não conseguia deixar de olhar para a forca com uma
certa apreensão. Senti uma espécie de torcicolo quando olhei para
os chifres que sobraram; sim, dois deles, um para Queequeg e um para
mim. Mau presságio, pensei. Um Caixão como estalajadeiro no
primeiro porto a que cheguei; lápides funerárias me olhando na
capela dos baleeiros; e, aqui, uma forca! E também um par prodigioso
de caldeirões pretos! Seriam os dois últimos alusões oblíquas a
Tofet?
Fui
tirado dessas reflexões quando vi uma mulher sardenta, de cabelo
loiro e vestido amarelo, que, de pé na entrada da estalagem, sob a
lamparina vermelha que balançava e que parecia um olho machucado,
passava uma descompostura num homem que vestia uma blusa de lã roxa.
“Vai
caindo fora”, ela disse ao homem, “ou te varro daqui!”
“Venha,
Queequeg”, eu disse, “tudo bem. Essa é a senhora Hussey.”
E
era mesmo; o senhor Hosea Hussey estava longe, mas tinha deixado a
senhora Hussey a cuidar dos negócios, para o que não lhe faltava
competência. Depois de lhe dizer que queríamos uma refeição e uma
cama, a senhora Hussey, deixando a descompostura ao estranho para
depois, nos conduziu a uma pequena sala e, sentando-nos a uma mesa na
qual havia restos de uma refeição recém-concluída, virou-se para
nós e perguntou
–
“Molusco ou bacalhau?”.
“Como
é o bacalhau, senhora?”, perguntei, muito delicado.
“Molusco
ou bacalhau?”, ela repetiu.
“Molusco
no jantar? Molusco frio; é isso que a senhora quer dizer?”,
eu disse; “não acha que é uma recepção muito fria e maluca para
uma noite de inverno, senhora Hussey?”
Mas
ansiosa por retomar a discussão com o homem de camisa roxa, que
esperava na porta, e tendo ouvido apenas a palavra “molusco”, a
senhora Hussey correu para a porta aberta que dava para a cozinha e,
depois de gritar “molusco para dois”, desapareceu.
“Queequeg”,
eu disse, “você acha que um molusco só dá para nós dois
jantarmos?”
Mas
o vapor quente e saboroso vindo da cozinha serviu para arrefecer as
nossas apreensões. Quando a caldeirada fumegante entrou, o mistério
foi deliciosamente explicado. Ah, queridos amigos! Escutem isso. Eram
pequenos moluscos suculentos, pouco maiores do que uma avelã,
misturados com biscoitos do mar amassados, e carne de porco salgada,
cortada em pedacinhos; isso era enriquecido com manteiga e temperado
generosamente com sal e pimenta. Tendo o nosso apetite aumentado com
a viagem gelada, e tendo Queequeg visto seu prato favorito diante de
si, sem demora devoramos a caldeirada, que era realmente excelente;
depois, reclinando-me por uns instantes e lembrando-me de como a
senhora Hussey tinha anunciado o molusco, pensei em fazer uma
experiência. Aproximando-me da porta da cozinha, disse a palavra
“bacalhau” com grande ênfase, e voltei para o meu lugar. Dentro
em pouco surgiu um vapor saboroso, com um aroma diferente, e em boa
hora nos serviram uma caldeirada de bacalhau.
Voltamos
ao trabalho; enquanto mergulhávamos as nossas colheres nos pratos,
comecei a pensar se aquilo não teria algum efeito sobre a cabeça.
Como é mesmo o ditado ofensivo sobre pessoas com cabeça de bagre?
“Olhe, Queequeg, não é uma enguia viva no seu prato? Onde está o
seu arpão?”
O
mais piscoso dentre todos os lugares piscosos era o Caldeirões, que
bem merecia o nome que tinha; porque em seus caldeirões sempre
ferviam caldeiradas. Caldeiradas para o café-da-manhã, caldeiradas
para o almoço e caldeiradas para o jantar, até que você começasse
a procurar por espinhas de peixe espetadas em suas roupas. O caminho
na frente da casa era pavimentado com conchas de moluscos. A senhora
Hussey usava um colar polido de vértebra de bacalhau; e Hosea Hussey
encadernava seus livros de contabilidade com pele de tubarão de
primeira qualidade. Também o leite tinha um gosto de peixe que eu
não conseguia explicar, até que, numa manhã, passeando pela praia
por entre os barcos de pescadores, eu vi a vaca malhada de Hosea se
alimentando dos restos de peixe e andando na areia com as patas
enfiadas nas cabeças decapitadas de bacalhaus, que, garanto,
pareciam chinelos.
Terminado
o jantar, a senhora Hussey nos deu um candeeiro e instruções sobre
o caminho mais curto para a cama; mas, quando Queequeg ia subindo as
escadas na minha frente, a dona estendeu o braço e pediu o arpão;
ela não permitia arpões nos quartos. “Por que não?”,
perguntei. “Todo baleeiro de verdade dorme com seu arpão – por
que não?” “Porque é perigoso”, ela disse. “Desde que o
jovem Stiggs voltou de sua maldita viagem de quatro anos e meio só
com três barris de óleo e foi encontrado morto no quarto dos fundos
do primeiro andar, com o arpão do lado; desde então nunca mais
deixei nenhum hóspede levar armas perigosas para o quarto de noite.
Sendo assim, seu Queequeg” (ela tinha aprendido o nome dele), “eu
vou pegar este ferro aqui, e deixar ele guardado até de manhã. Mas,
senhores, vão querer caldeirada de molusco ou de bacalhau para o
café-da-manhã?”
“Os
dois”, eu disse; “e também um pouco de arenque defumado, para
variar.”
Herman
Melville, in Moby Dick
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