quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

As invasões inglesas

1º Jogo do futebol paulista: Mackenzie 2 x 1 Germânia

Ao lado do manicômio, num terreno baldio de Buenos Aires, uns moços louros estavam chutando uma bola.
Quem são? – perguntou um menino.
Loucos – informou-lhe o pai. – Ingleses malucos.
O jornalista Juan José de Soiza Reilly evocou esta memória de sua infância. Nos primeiros tempos, o futebol parecia um jogo de loucos no rio da Prata. Mas em plena expansão imperial, o futebol era um produto de exportação tão tipicamente britânico como os tecidos de Manchester, as estradas de ferro, os empréstimos do banco Barings ou a doutrina do livre comércio. Tinha chegado pelos pés dos marinheiros, que o jogavam nos arredores dos diques de Buenos Aires e Montevidéu, enquanto os navios de Sua Majestade descarregavam ponchos, botas e farinha e embarcavam lã, couros e trigo para fabricar, lá longe, mais ponchos, botas e farinha. Foram cidadãos ingleses, diplomatas e funcionários da estrada de ferro e da companhia de gás, que formaram as primeiras equipes locais. A primeira partida internacional jogada no Uruguai, em 1889, confrontou os ingleses de Montevidéu e Buenos Aires sob um gigantesco retrato da rainha Vitória, pálpebras caídas, careta de desdém, e outro retrato da rainha dos mares amparou em 1895 a primeira partida do futebol brasileiro, que foi disputada entre os súditos britânicos da Gás Company e da São Paulo Railway.
As velhas fotos mostram aqueles pioneiros em sépia. Eram guerreiros formados para a batalha. As armaduras de algodão e lã cobriam todo o seu corpo, para não ofender as damas que assistiam às partidas empunhando sombrinhas de seda e agitando lenços de renda. Os jogadores só mostravam descobertos seus rostos de olhar grave e bigodões em ponta, que assomavam sob os gorros ou chapéus. Nos pés, calçavam pesadas chuteiras Manfield.
O contágio não se fez esperar. Mais cedo que tarde, os cavalheiros da sociedade local puseram-se a praticar aquela loucura inglesa. Importaram de Londres as camisetas, as chuteiras, as grossas caneleiras e as calças, que iam do peito até abaixo dos joelhos. As bolas de futebol já não chamavam a atenção da alfândega, que a princípio não sabia como classificar tais espécimes. Os navios também traziam os manuais, e com eles as palavras que chegavam a estas longínquas costas sul-americanas para ficar aqui por muitos anos: field, score, goal, goal-keeper, back, forward, out-ball, penalty, off-side. O foul merecia o castigo do referee, mas o jogador ofendido podia aceitar as desculpas do culpado sempre e quando suas desculpas fossem sinceras e estivessem formuladas em inglês correto, segundo ensinava o primeiro decálogo de futebol que circulou no rio da Prata.
Enquanto isso, outras palavras da língua inglesa se incorporaram à linguagem dos países latino-americanos do mar do Caribe: pitcher, catcher, innings. Submetidos à influência norte-americana, esses países aprendiam a golpear a bola com um bastão de madeira arredondado. Os marines traziam o bastão no ombro, junto com o fuzil, enquanto impunham, a sangue e fogo, a ordem imperial na região. Desde então, o beisebol é, para eles, o que o futebol é para nós.
Eduardo Galeano, in Futebol ao sol e à sombra

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