quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Vidão

Havia mar nos seus nomes, os dois eram jovens e livres e a vida era curta. Que outras razões faltavam para Marialva aceitar o convite de Gilmar e dar um passeio noturno na sua lancha, só os dois, as estrelas e o Marcão (outro com mar no nome!), um capixaba discreto, segundo Gilmar, para servir o champanhe? Marialva hesitou. Mal conhecia Gilmar, e já tinha sido avisada no clube: “Não saia de barco com aquele ali.” Mas Gilmar era atraente, apesar de pequeno, pois o que lhe faltava em altura sobrava em dinheiro, e Marialva aceitou, e os três zarparam num fim de tarde, em meio a um crepúsculo de folhinha (“Encomendei para você!”, gritou Gilmar, entre risadas das gaivotas. E depois, fazendo um gesto que englobava tudo, eles, o barco, o mar e o céu coloridos: “Vidão!”). Marcão, além de servir o champanhe, o patê e as ostras e cuidar do som (barroco italiano), pilotava a grande lancha, que balançava suavemente nas ondas tingidas de lilás, e teve que vir correndo quando o Gilmar se levantou de onde estava deitado, com a cabeça pousada nas coxas nuas também tingidas de lilás de Marialva, e precipitou-se para a amurada do barco. Marcão chegou a tempo de segurar a sua testa enquanto ele vomitava. Depois Gilmar falou:
Não adianta. Vamos voltar.
Na volta, enquanto Gilmar repousava na cabine, Marialva ouviu de Marcão a história do seu desafortunado patrão. Era sempre assim. Ele enjoava até com mar calmo. Às vezes nem dava tempo de chegar à amurada, era em cima da mesa mesmo. Uma vez a moça que estava com ele, indignada com os respingos, o agredira com o balde de gelo. Acontecia todas as vezes. Ele começava a enjoar e tinha que interromper o passeio. Mas não desistia.
Por quê? — quis saber Marialva.
Porque é pra isso que ele comprou o barco. Porque é essa a vida que ele quer. Ou, como ele sempre diz, o “Vidão!”.
Mas por que não mudam pelo menos o cardápio?
O quê? E servir chá com torradas? Não seria um vidão.
Dias depois, Marialva ouviu Gilmar falando com uma bela mulher no bar do clube. Dizendo:
Ostras. Champanhe. Vivaldi. Só nós dois. E o mar. E se você quiser, providenciarei uma lua cheia. Hein? Hein?
Luís Fernando Veríssimo, in Amor veríssimo

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