quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

O subsolo - 4

Ha, ha, ha! Depois disso, o senhor sentirá prazer até numa dor de dente! – exclamarão rindo os senhores.
E por que não? Existe mesmo prazer numa dor de dentes – responderei. – Um mês inteiro me doeram os dentes; sei o que é isso. Nessa situação, é lógico, a pessoa não se enfurece em silêncio, e sim põe-se a gemer. Mas tais gemidos não são sinceros, são gemidos sarcásticos, e no sarcasmo é que está a coisa toda. É nesses gemidos que se expressa o prazer do sofredor; se ele não sentisse prazer com isso, não gemeria. Este é um bom exemplo, senhores, vou desenvolvê-lo. Nesses gemidos se expressa, em primeiro lugar, toda a inutilidade de sua dor, humilhante para a nossa consciência; toda a legitimidade das leis da natureza, de que os senhores, certamente, podem fazer pouco caso, mas em consequência da qual os senhores sofrem, ao passo que ela não. Eles expressam a percepção de que é impossível encontrar para os senhores um inimigo, mas a dor está lá; a percepção de que os senhores, apesar de todos os Wagenheim, são inteiramente escravos de seus dentes; de que, se alguém quiser, seus dentes deixarão de doer; do contrário, doerão por mais três meses. E, finalmente, se os senhores ainda não aceitaram e continuam a protestar, só lhes resta, para seu consolo, surrar-se ou bater mais forte com os punhos na sua parede, e rigorosamente mais nada. Pois bem, é dessas ofensas sangrentas, dessas caçoadas anônimas, que se origina, por fim, um deleite que às vezes chega ao mais alto grau de voluptuosidade. Eu lhes peço, senhores, que, quando tiverem oportunidade, ouçam com atenção os gemidos do homem culto do século XIX sofrendo de dor de dente, lá pelo segundo ou terceiro dia do seu sofrimento, quando ele já começa a gemer de maneira diferente de como gemia no primeiro dia, isto é, não geme apenas porque lhe doem os dentes; ele não geme como um camponês grosseiro qualquer, e sim como um homem que foi atingido pelo desenvolvimento e pela civilização europeia, um homem “que renegou seu solo e as raízes populares”, como agora se diz. Seus gemidos tornam-se detestáveis, grosseiramente raivosos, e continuam por vários dias e noites. Mas ele mesmo sabe que os gemidos não terão utilidade alguma; sabe melhor do que ninguém que é em vão que ele tortura e irrita a si e aos demais; sabe que até a plateia que ele quer impressionar e toda a sua família já sentem repulsa ao ouvi-lo gemer, não acreditam nem um pouquinho na sua sinceridade e estão convencidas de que ele poderia gemer de outra maneira, mais simples, sem tremer a voz e sem bancar o original, de que ele está fazendo palhaçada de raiva, por pura maldade. Pois bem, a volúpia está precisamente em todas essas tomadas de consciência e nessas indignidades. “Estou incomodando todos vocês, arrebentando seus corações, não deixo ninguém dormir. Pois então não durmam, sintam também minuto a minuto que meus dentes estão doendo. Já não sou mais para vocês o herói que antes quis parecer, sou simplesmente um homenzinho desprezível, um chenapan. Que seja! Estou muito contente porque vocês me entenderam. Vocês acham terrível ouvir meus infames gemidos? Pois que seja terrível; e agora, para vocês, vou emitir uns garganteios ainda mais terríveis...” Ainda não entenderam, senhores? Não; pelo visto, é necessário desenvolver-se e adquirir consciência de maneira mais profunda e completa para compreender todos os meandros dessa volúpia. Estão rindo? Fico feliz, senhores. Naturalmente, minhas piadas são de mau gosto, irregulares, incompreensíveis e denotam minha falta de autoconfiança. Mas isso é porque eu mesmo não me respeito. Por acaso um homem com consciência pode ter algum respeito próprio?
Dostoievski, in Notas do subsolo

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