Quando
a mulher revelou que era a Morte e que viera buscá-lo, Don Juan não
pulou da cama nem tentou fugir. Apenas sorriu e disse:
— Eu
deveria ter desconfiado.
— Por
quê? — perguntou a Morte.
—
Porque nenhuma mulher tão linda se
entregaria a mim tão facilmente, se não fosse uma armadilha.
— Mas
você não é um sedutor famoso? Um homem irresistível?
— Sim,
mas na minha experiência, quanto mais linda a mulher, mais difícil
a sedução. E com você não precisei usar nenhum dos meus truques.
Nem meu olhar de desatar espartilhos, nem os versos que orvalham o
portal do amor antes mesmo do meu primeiro toque... Você é a mulher
mais bonita que já conheci, mas bastou dizer “vem” e você veio.
Eu deveria ter desconfiado.
— Eu
talvez tenha me precipitado, ao ceder tão facilmente. Gostaria de
ouvir seus versos, que também são famosos. Se eu tivesse resistido
um pouco mais...
— Pois
é. Agora é tarde.
— O
que você diria da minha beleza, se fosse obrigado a recorrer à
poesia para me trazer pra cama?
— Bem.
Assim, de improviso... Ainda mais depois de saber da minha morte
iminente...
—
Tente.
— Eu
começaria elogiando o seu porte heráldico. Compararia a brancura da
sua pele às primeiras neves, quando os cristais ainda reluzem, e o
rego dos seus seios ao estreito de Gibraltar, onde dois continentes
portentosos se roçam. Comentaria as estrias roxas do seu cabelo e...
e...
— Que
foi? Por que parou?
— Acabo
de me dar conta. Está explicado por que nos amamos em todas as
posições possíveis, inclusive algumas que eu mesmo inventei, sem
que eu ouvisse um “ui” da sua boca. Um mísero “ui”. Você
manteve-se fria o tempo todo. Claro! Onde se viu a Morte gozar?
—
Desculpe, eu...
— Não
se desculpe. Você não vê? Isto redime a minha masculinidade.
Pensei que tivesse perdido meu jeito de satisfazer as mulheres, que
nunca tinha falhado antes. Mas não era eu. Era você. Você só
estava aqui a serviço, não para se divertir.
— Não
deixou de ser agradável.
—
Obrigado, mas não precisa mentir. Vou
morrer feliz, sabendo que não falhei. E o irônico é que passei a
vida inteira seduzindo mulheres para adiar a velhice, enganar o tempo
e protelar a morte, e ela, a Morte, você, me aparece assim. Na forma
da mulher mais bonita que já conheci. Olhos como lagos
fosforescentes, pescoço como a coluna de mármore de Amastar, onde
peregrinos encostavam a testa para rejuvenescer; tornozelos como...
— Não
quero interromper, mas acho que deveríamos partir.
—
Certo, certo. E se a gente desse mais
uma, rapidinha, só para eu me lembrar depois? Ouvi dizer que, no
céu, o canto coral substitui o sexo e no inferno é só com um
cabrito.
— Não
é uma boa ideia. Vamos?
—
(Suspiro) Vamos.
Luís
Fernando Veríssimo, in Diálogos impossíveis
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