quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Entregando-me às suas ondas

Meu corpo sentia-se à vontade sobre o calor da areia. Tinha os olhos fechados, os braços abertos, as pernas desdobradas para a brisa do mar. E o mar ali em frente, distante, deixando apenas restos de espuma em meus pés, quando a maré subia...”
Agora sim é ela falando, Juan Preciado. Não se esqueça de me dizer o que ela diz.
“… Era cedo. O mar corria e baixava em ondas. Soltava-se da sua espuma e ia embora, limpo, com sua água verde, em ondas caladas.
“— No mar só sei me banhar nua — disse a ele. E ele me seguiu no primeiro dia, nu também, fosforescente ao sair do mar. Não havia gaivotas; só esses pássaros que chamam de ‘bicos feios’, esses tucanos grunhem como se roncassem e que depois que o sol sai desaparecem. Ele me seguiu no primeiro dia e sentiu-se só, apesar de eu estar ali.
“— É como se você fosse um ‘bico feio’, um a mais entre todos — me disse. — Gosto mais de você nas noites, quando estamos os dois no mesmo travesseiro, debaixo dos lençóis, na escuridão.
E se foi.
Eu voltei. Voltaria sempre. O mar molha meus tornozelos e vai embora; molha meus joelhos, minhas coxas; rodeia minha cintura com seu braço suave, dá voltas sobre meus seios; se abraça ao meu pescoço; aperta meus ombros. Então me afundo nele, inteira. E me entrego a ele em seu bater forte, em seu suave possuir, sem deixar pedaço.
“— Gosto de tomar banho no mar — disse a ele.
Mas ele não entende.
E no outro dia estava outra vez no mar, me purificando. Entregando-me às suas ondas.”
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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