segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Baboseiras

O motoboy entregou o pacote de cartas e disse:
Ele falou que tinha resposta.
Espera — disse ela.
E pôs-se a examinar as cartas. Procurava uma em especial, que não encontrou. Fez um sinal para o motoboy aguardar enquanto telefonava.
Alô...
Amauri, cadê a carta do ursinho?
Era uma das primeiras cartas que ela tinha lhe mandado. Ainda eram namorados. Uma carta toda escrita como se fosse de uma criança para o seu ursinho de pelúcia.
Eu mandei. Não mandei?
Não. E se você não mandar a carta do ursinho eu não mando as suas.
Heleninha...
Não tem “Heleninha”, Amauri. Ou você manda todas as minhas cartas ou eu começo a mostrar as suas. Sou capaz até de publicá-las. Quero ver como fica a sua reputação no meio.
Eu pensei em guardar pelo menos uma carta sua, Heleninha.
Logo a mais ridícula? Devolve a minha carta, Amauri. Nosso trato foi esse. Todas as cartas.
Deixa eu ficar só com esta. É a minha favorita.
Eu sei o que você está pensando, Amauri. Quer ficar com a carta para me chantagear depois.
Chantagear, Heleninha?!
Chantagear. Eu conheço você.
Heleninha! Eu acho essa carta linda. Uma lembrança do tempo em que a gente se amava.
Não banca o sentimental comigo, Amauri. Essa carta é só um exemplo das baboseiras que a gente diz e escreve quando acha que o amor nunca vai acabar. Mas o amor acaba e fica a baboseira. Me devolve essa carta, Amauri!
Heleninha, você lembra como eu chamava você? Na cama?
Eu não quero ouvir!
Lembra? Está certo, era baboseira. Mas era bonito. Era carinhoso. Eu era o seu ursinho e você era a minha...
Amauri, manda essa carta ou eu publico as suas. Já sei exatamente para quem mandar a primeira.
Está bem, Heleninha. Manda o motoboy de volta.
Luís Fernando Veríssimo, in Amor Veríssimo

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