quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Altares

Fui sabatinado por quatro jornalistas da Folha e por aqueles que estavam no teatro. Dos ouvintes veio-me uma pergunta: “Você acredita em Deus?”. Como a pergunta era vaga perguntei: “Qual Deus?”. A pessoa não entendeu. Expliquei então: “Há muitos deuses, cada um com a cara e o coração daquele que o tem dentro do peito. O Deus de são Francisco não era o Deus de Torquemada. São Francisco usava o fogo do seu Deus para aquecer a alma. Torquemada usava o fogo do seu Deus para churrasquear hereges em fogueiras que eram a diversão do povo”. Como a pessoa não soubesse me esclarecer o assunto, adiantei-me e confessei. “Não sei se acredito em Deus. Mas sei que sou um construtor de altares”. Construo os meus altares com poesia e música. Os altares têm de ser belos. Eu os construo diante de um abismo profundo, escuro e silencioso. Os fogos que neles acendo iluminam o meu rosto e me aquecem. Mas o abismo continua o mesmo: escuro, frio, silencioso.
Rubem Alves, in Ostra feliz não faz pérola

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