Uma
noite meu pai me levou com ele na entrega do leite. Não havia mais
carroça puxada a cavalo. Os caminhões de leite agora eram movidos a
motor. Após carregar a caçamba lá na companhia de leite, seguimos
o trajeto das entregas. Era bom já estar na rua antes do amanhecer.
A lua ainda estava no céu, e eu podia ver as estrelas. Fazia frio,
mas era excitante. Perguntava-me por que meu pai me convidara para
vir com ele uma vez que dera para me bater com o amolador da navalha
uma ou duas vezes por semana e não havia entre nós qualquer
intimidade.
A
cada parada, ele saltava e entregava uma ou duas garrafas de leite.
Às vezes era queijo cottage, ou coalhada, ou manteiga e, de
vez em quando, uma garrafa de suco de laranja. A maioria das pessoas
deixava bilhetes nas garrafas vazias explicando o que queriam.
Meu
pai ia guiando, parando e dando a partida no motor, fazendo entregas.
– Bem,
garoto, em que direção estamos indo agora?
–
Norte.
– Você
está certo, estamos indo pro norte.
Percorríamos
as ruas, parando e seguindo adiante.
– Bem,
e agora? Em qual direção?
–
Oeste.
– Não,
estamos indo pro sul.
Seguimos
mais um tempo, em silêncio.
– Vamos
supor que eu expulse você do caminhão agora e o deixe no meio da
calçada. O que você faria?
– Não
sei.
– Quero
dizer, como você sobreviveria?
– Bem,
acho que voltaria até a última casa e pegaria o leite e o suco de
laranja que você deixou nos degraus.
– E
depois disso? O que faria?
–
Encontraria um policial e contaria a ele
o que você fez comigo.
–
Contaria, hein? E o que é que você iria
contar?
– Diria
a ele que você quis que eu me perdesse afirmando que o “oeste”
era o “sul”.
O
dia começava a raiar. Logo todas as entregas ha viam sido feitas e
paramos para tomar café numa lancheria. A garçonete se aproximou.
– Olá,
Henry – ela disse a meu pai.
– Olá,
Betty.
– Quem
é o garoto?
– Este
é o pequeno Henry.
– É
a sua cara.
– Mas
não tem meus miolos, acho.
–
Espero que não.
Fizemos
o pedido. Ovos com bacon. Enquanto comíamos, meu pai disse:
– Agora
vem a parte mais difícil.
– Qual?
– Tenho
que recolher o dinheiro que as pessoas me devem. Algumas delas não
querem pagar.
– Mas
elas têm que pagar.
– É
o que sempre lhes digo.
Terminamos
de comer e voltamos ao trabalho. Meu pai descia e batia nas portas.
Eu podia ouvi-lo reclamar aos berros:
– COMO,
DIABOS, PENSA QUE EU VOU TER O QUE COMER? VOCÊ JÁ SECOU O LEITE,
AGORA É HORA DE CAGAR O DINHEIRO!
Usava
um discurso diferente a cada cobrança. Às vezes voltava com o
dinheiro, em outras não.
Então
o vi entrar numa espécie de cortiço. Uma porta se abriu, e uma
mulher ficou ali parada, vestida num quimono de seda desatado. Ela
fumava um cigarro.
–
Escute, boneca, preciso receber o
dinheiro. Você é minha maior devedora!
Ela
riu na cara dele.
– Veja,
boneca, me dê a metade, me pague alguma coisa, dê algum sinal.
Ela
fez um anel de fumaça e em seguida o rompeu com o dedo.
–
Escute, você precisa me pagar – disse
meu pai. – Esta é uma situação desesperadora.
–
Entre. Falaremos sobre isso – disse a
mulher.
Meu
pai entrou, e a porta se fechou. Ficou lá dentro por uma eternidade.
O sol já ia alto. Quando meu pai saiu, o cabelo lhe caía sobre o
rosto e ele colocava a barra da camisa para dentro das calças. Subiu
no caminhão.
– A
mulher deu o dinheiro? – perguntei.
– Esta
foi a última parada – disse meu pai. – Estou exausto. Vamos
devolver o caminhão e voltar para casa…
Charles
Bukowski, in Misto-quente
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