domingo, 1 de outubro de 2017

Um povo muito volúvel

Não sei quem fez esta observação sagaz: “Nós somos um povo muito volúvel.” Grande verdade, que não passaria despercebida ao espírito arguto do conselheiro Acácio.
Dizem aqui que houve um poeta muito amado por toda a gente que faz versos e amarra ao pescoço bonitas gravatas. Era um ídolo, mais que um ídolo — um figurino. Imitavam-lhe o formato dos metros e o feitio da roupa.
(Há alguém que se queixe da falta da originalidade que nos leva a seguir cegamente pegadas de algum mestre. Tolice! É muito mais cômodo percorrer os caminhos que os outros vão abrindo do que meter-se uma pessoa por veredas escusas e intrincadas.)
Pois o nosso homem era uma espécie de pontífice de todos os indivíduos que deitavam olhos cobiçosos às musas do Rio antigo.
Um dia — dia fatal! — o poeta teve de fazer uma longa viagem. Viagem funesta! Voltou anos depois. Trazia versos. Mas parece que seus adoradores notaram que lhe não ficava bem o laço da gravata... Foi uma grande apostasia — todos os devotos passaram a queimar incenso nos altares de outros deuses.
E o figurino das letras exilou-se, pensando talvez na ingratidão daqueles gregos que decretaram o ostracismo de Aristides.
Graciliano Ramos, in Garranchos

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