sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Relax

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Aquele monstro que se chamou Champollion descansava de seus estudos de egiptologia escrevendo uma gramática chinesa.
Porém, nós outros, os (relativamente) normais, que havemos de fazer?
Palavras cruzadas?
No entanto, o perigo das palavras cruzadas é nos inocularem às vezes, para todo o sempre, os mais estapafúrdios conhecimentos. Por exemplo, há duas semanas sou sabedor de que “rajaputro” significa “nobre do Hindostão, dedicado à milícia”. Espero, o quanto antes, esquecer tal barbaridade.
O problema é substituir as preocupações pela ocupação.
Quanto ao exercício da poesia, nem falar! Qualquer poeta sabe como dói, como é preciso virar a alma pelo avesso para fazer um verdadeiro poema — salvo se você for um poeta concretista, porque, na verdade, não há nada mais abstrato.
Pois bem, falando em coisas sérias, o problema, seu poeta, é ocupar o espírito sem ao mesmo tempo estraçalhá-lo.
E problemas assim — puros problemas — só mesmo os problemas matemáticos. Já o velho Pinel recomendava o estudo das Ciências Exatas como preservativo dos distúrbios mentais.
A Matemática é o pensamento sem dor.
Mas infelizmente sucede que a Matemática ainda é pior do que chinês para nós, que, nesta altura da vida, só não esquecemos as quatro operações e, quando muito, a regra de três e também a teoria dos arranjos, permutações e combinações — tão úteis no jogo do bicho.
Que resta, então?
Oh! como é que eu não me lembrei disso antes?! Resta-nos um passatempo esquecido: o proveitoso, o delicioso vício da leitura.
Mário Quintana, in A vaca e o hipogrifo

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