A
paixão apagou.
Sumiu.
Devagarinho,
talvez, ou então de vez, como uma bolha de sabão, o fato é que se
foi.
Paixão,
cadê você?
Não
existe mais?
Não
faz mal não.
Dizem
que depois da paixão fica o amor. (Às vezes.)
É
quando a doidice sossega, a agonia desaperta, o pensamento serena, a
vida acena com outras possibilidades, a sanidade retorna, a realidade
se reapresenta: Lua é Lua, noite é noite, palavras são só
palavras e nem todas elas são boas.
Agora
sim.
Também,
era impossível viver ardendo naquele fogo, eternamente.
Ainda
bem que passou, não cega mais, aquilo já era um inferno.
Melhor
assim, sem tanto calor.
Já
dá pra respirar melhor.
Dá
até pra raciocinar, eu sou eu, você é você, e nós dois juntos
somos dois.
É
só somar.
Se
eu quero isso e você quer aquilo, tudo bem. (É impressão minha ou
o querer da gente coincidia sempre antes? Esquece.) Nada melhor do
que se sentir de novo uma pessoa.
Eu
vou pra cá, você vai pra lá, mais tarde a gente se vê.
Agora
eu preciso olhar as garotas saindo das escolas com seus moletons, de
preferência com as mangas sobrando para fora das mãos, tomar um
café, depois um licor, usar meu chapéu, sabe quando a pessoa está
incrivelmente necessitada de dançar na chuva?
Você
faz o que quiser: cinema, teatro, boteco, futebol, o controle remoto
é todo seu.
Antes
de dormir a gente se encontra embaixo do cobertor eu e você, dois,
mais esse friozinho, três. Vai ser ótimo. Muito agradável.
Confortável. Calmo. Tranquilo.
Reconheça:
não é muito mais fácil viver assim, desafogado, do que naquela
tormenta?
Não
ouviu o que eu falei?
Deixa
pra lá.
Está
bom aí, em você?
Aqui
em mim está um fracasso, eu confesso.
Que
tal meia garrafa de vinho, uma lareira, uma música antiga, qualquer
coisa?
Não
tem mais jeito?
A
paixão não volta?
Quem
disse?
A
lógica? A química, a física e a biologia? Toda e qualquer
estatística? O funcionamento hormonal? O passar do tempo?
Pois
então danem-se todos eles.
Você
está com 21 e eu com 19, frente a frente, enlouquecidos. Então você
tem 33. (De presente de aniversário eu até escrevi uns versos, mas
você continuava preferindo beijos.) De repente, eu me dou conta, já
fiz 40 e continuo louca. Quando você tiver 58, estaremos mais
encantados ainda. Viraremos matéria de pesquisa, objeto de museu,
motivo de inveja, o mundo inteiro comentando “tá vendo aqueles
dois? Que loucura. Que grude. Que estranho. Eu acho que é mentira.
Será? Sei lá. Que coisa!”.
Deixa
falar.
Não
liga não.
Então,
vai: me tira pra dançar.
Agora,
sim, qual o problema?
Depois
eu termino a crônica.
Adriana
Falcão, in O doido da garrafa
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