Evidentemente
que aquilo que nos chega não são verdades absolutas, são versões
de acontecimentos, mais ou menos autoritárias, mais ou menos
respaldadas pelo consenso social ou pelo consenso ideológico ou até
por um poder ditatorial que dissesse “há que acreditar nisto, o
que aconteceu foi isto e portanto vamos meter isto na cabeça”. O
que nos estão a dar, repito, é uma versão. E creio que, dizendo
nós a toda a hora que a única verdade absoluta é que toda ela é
relativa, não sei por que é que, chegando o momento em que
determinado escritor passaria por certo fato ou episódio, deveria
aceitar como lei inamovível uma versão dada, quando sabemos que a
História não só é parcial como é parcelar. Noutros termos: por
que é que a literatura não há de ter também a sua própria versão
da História? De qualquer forma, a literatura não é nada que se
sobreponha completamente à História, porque não pode, porque tem
que alimentar-se até de versões opostas ou contraditórias, assim
construindo, à luz de um tempo ou de um entendimento diferente, a
sua própria versão.
José
Saramago, in As palavras de Saramago
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