segunda-feira, 2 de outubro de 2017

História e Literatura

Evidentemente que aquilo que nos chega não são verdades absolutas, são versões de acontecimentos, mais ou menos autoritárias, mais ou menos respaldadas pelo consenso social ou pelo consenso ideológico ou até por um poder ditatorial que dissesse “há que acreditar nisto, o que aconteceu foi isto e portanto vamos meter isto na cabeça”. O que nos estão a dar, repito, é uma versão. E creio que, dizendo nós a toda a hora que a única verdade absoluta é que toda ela é relativa, não sei por que é que, chegando o momento em que determinado escritor passaria por certo fato ou episódio, deveria aceitar como lei inamovível uma versão dada, quando sabemos que a História não só é parcial como é parcelar. Noutros termos: por que é que a literatura não há de ter também a sua própria versão da História? De qualquer forma, a literatura não é nada que se sobreponha completamente à História, porque não pode, porque tem que alimentar-se até de versões opostas ou contraditórias, assim construindo, à luz de um tempo ou de um entendimento diferente, a sua própria versão.
José Saramago, in As palavras de Saramago

Nenhum comentário:

Postar um comentário