terça-feira, 12 de setembro de 2017

O anticirco

É preciso inventar alguma coisa — disse o sapo. — Alguma coisa de novo, surpreendente. Pular ao som do fandango paranaense já está me tirando a alegria de viver. Eu queria pular ao ritmo da Marselhesa, por exemplo.
Não te fica bem a Marselhesa — ponderou o caxinguelê. — Não só é antiquada, como o teu jeito é mais para o folclore do Sul. Talvez uma rancheira, uma polquinha de galpão fosse mais indicada.
Mas o caxinguelê também não andava satisfeito com o seu número. Ágil e serelepe como é de natureza, tinha de imitar o filho de Guilherme Tell, imóvel, com a maçã na cabeça, esperando a flechada paterna. O pai era representado por um macaco simpático, que alimentava o desejo de, lá um dia, acertar no caxinguelê.
Não tenho vocação para estátua nem para vítima. Vou deixar este circo, a menos que me nomeiem gerente. Tenho vocação para gerente, você sabia?
O sapo não sabia nada. Estava farto de fandango, que o obrigava a uma dança inconveniente para sua idade e condição.
De resto, nenhum animal daquele circo sentia prazer executando o número que lhe deram. Era o circo mais inconformado que já existiu. Seu dono ignorava isto, porque morava longe e nunca assistiu a uma função.
O circo jamais pegou fogo. Seus animais descontentes constituíam a maior atração. Cada vez seduziam mais público. Era o anticirco.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

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