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Existem povoados que têm sabor de
infortúnio. A gente os conhece só de sorver um pouco do seu ar
velho e intumescido, pobre e magro como tudo que é velho. Este aqui
é um desses povoados, Susana.
“Lá,
de onde viemos agora, pelo menos você se distraía olhando o
nascimento das coisas: nuvens e pássaros, o musgo, lembra? Aqui,
porém, você não sentirá nada a não ser esse odor amarelo e azedo
que parece destilar por todo lado. É que este é um povoado infeliz;
todo sufocado nos infortúnios.
“Ele
nos pediu que voltássemos. Emprestou-nos a casa. E nos deu tudo que
poderíamos necessitar. Mas não devemos estar agradecidos. Somos
desgraçados por estarmos aqui, porque aqui não teremos salvação
alguma. Eu pressinto isso.
“Sabe
o que Pedro Páramo me pediu? Eu bem que pensei que isso tudo que ele
nos dava não era gratuito. E estava disposto que ele cobrasse com
meu trabalho, já que de algum modo tínhamos de pagar. Detalhei para
ele tudo em relação a La Andromeda, e mostrei que, trabalhando com
método, aquilo tinha possibilidades. E sabe o que ele me respondeu?
‘Sua mina não me interessa, Bartolomé San Juan. A única coisa
sua que eu quero é a filha. Ela é o seu melhor trabalho.’
“Então,
ele quer é você, Susana. Diz que você brincava com ele quando eram
crianças. Que conhece você. Que chegaram a tomar banho de rio
juntos quando eram pequenos. Eu não fiquei sabendo; se tivesse
ficado, mataria você com chibatadas do meu cinturão.
— Não
duvido.
— Foi
você quem disse: não duvido?
— Eu
disse.
— Então
você está disposta a se deitar com ele?
— Sim,
Bartolomé.
— Você
não sabe que ele é casado e que teve uma infinidade de mulheres?
— Sim,
Bartolomé.
— Não
me chame de Bartolomé. Sou seu pai!
Bartolomé
San Juan, um mineiro morto. Susana San Juan, filha de um mineiro
morto nas minas de La Andromeda. Enxergava claro. “Terei de ir até
lá para morrer”, pensou. Depois ele disse:
— Disse
a ele que você, embora viúva, continua vivendo com seu marido, ou
pelo menos é assim que se comporta; tratei de dissuadi-lo, mas seu
olhar se turva quando falo com ele, e assim que seu nome aparece, ele
fecha os olhos. Ele é, pelo que eu sei, a maldade pura. Isso é
Pedro Páramo.
— E
quem sou eu?
— Você
é minha filha. Minha. Filha de Bartolomé San Juan.
Na
mente de Susana San Juan começaram a caminhar as ideias, primeiro
lentamente, depois se detiveram, para depois começarem a correr de
tal maneira que só conseguiu dizer:
— Não
é verdade. Não é verdade.
— Este
mundo, que nos dilacera por todos os lados, que vai esvaziando
punhados de nosso pó aqui e acolá, desfazendo-nos em pedaços como
se regasse a terra com nosso sangue. O que fizemos? Por que nossa
alma apodreceu? Sua mãe dizia que pelo menos nos restava a
misericórdia de Deus. E você a renega, Susana. Por que me renega, a
mim, como seu pai? Você está louca?
— Você
não sabia?
— Você
está louca?
— Claro
que sim, Bartolomé. Você não sabia?
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
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