quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Isso é Pedro Páramo

Existem povoados que têm sabor de infortúnio. A gente os conhece só de sorver um pouco do seu ar velho e intumescido, pobre e magro como tudo que é velho. Este aqui é um desses povoados, Susana.
Lá, de onde viemos agora, pelo menos você se distraía olhando o nascimento das coisas: nuvens e pássaros, o musgo, lembra? Aqui, porém, você não sentirá nada a não ser esse odor amarelo e azedo que parece destilar por todo lado. É que este é um povoado infeliz; todo sufocado nos infortúnios.
Ele nos pediu que voltássemos. Emprestou-nos a casa. E nos deu tudo que poderíamos necessitar. Mas não devemos estar agradecidos. Somos desgraçados por estarmos aqui, porque aqui não teremos salvação alguma. Eu pressinto isso.
Sabe o que Pedro Páramo me pediu? Eu bem que pensei que isso tudo que ele nos dava não era gratuito. E estava disposto que ele cobrasse com meu trabalho, já que de algum modo tínhamos de pagar. Detalhei para ele tudo em relação a La Andromeda, e mostrei que, trabalhando com método, aquilo tinha possibilidades. E sabe o que ele me respondeu? ‘Sua mina não me interessa, Bartolomé San Juan. A única coisa sua que eu quero é a filha. Ela é o seu melhor trabalho.’
Então, ele quer é você, Susana. Diz que você brincava com ele quando eram crianças. Que conhece você. Que chegaram a tomar banho de rio juntos quando eram pequenos. Eu não fiquei sabendo; se tivesse ficado, mataria você com chibatadas do meu cinturão.
Não duvido.
Foi você quem disse: não duvido?
Eu disse.
Então você está disposta a se deitar com ele?
Sim, Bartolomé.
Você não sabe que ele é casado e que teve uma infinidade de mulheres?
Sim, Bartolomé.
Não me chame de Bartolomé. Sou seu pai!
Bartolomé San Juan, um mineiro morto. Susana San Juan, filha de um mineiro morto nas minas de La Andromeda. Enxergava claro. “Terei de ir até lá para morrer”, pensou. Depois ele disse:
Disse a ele que você, embora viúva, continua vivendo com seu marido, ou pelo menos é assim que se comporta; tratei de dissuadi-lo, mas seu olhar se turva quando falo com ele, e assim que seu nome aparece, ele fecha os olhos. Ele é, pelo que eu sei, a maldade pura. Isso é Pedro Páramo.
E quem sou eu?
Você é minha filha. Minha. Filha de Bartolomé San Juan.
Na mente de Susana San Juan começaram a caminhar as ideias, primeiro lentamente, depois se detiveram, para depois começarem a correr de tal maneira que só conseguiu dizer:
Não é verdade. Não é verdade.
Este mundo, que nos dilacera por todos os lados, que vai esvaziando punhados de nosso pó aqui e acolá, desfazendo-nos em pedaços como se regasse a terra com nosso sangue. O que fizemos? Por que nossa alma apodreceu? Sua mãe dizia que pelo menos nos restava a misericórdia de Deus. E você a renega, Susana. Por que me renega, a mim, como seu pai? Você está louca?
Você não sabia?
Você está louca?
Claro que sim, Bartolomé. Você não sabia?
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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