quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Da ironia

Sou razoavelmente irônico. É uma das coisas que me caracterizam, além de ser alto e calvo… No fundo, sou alguém que gostaria de brincar, mas não pode ou não sabe fazê-lo. Isso resolve-se em mim pela ironia, que é muitas vezes virada contra o próprio ou contra coisas e pessoas que muito quer ou estima. Haveria que estabelecer diferenças entre a troça, o sarcasmo, o humor e a ironia, tudo parentes da mesma família mas, como acontece com as pessoas do mesmo sangue, nem sempre se dão bem. Creio que a troça é o pior de tudo; o sarcasmo, às vezes, é a única solução, enquanto que o humor é uma espécie de gazua e a ironia pode ser um disfarce de qualquer coisa grave, dor ou angústia, mas também pode ser prova ou demonstração de amor. De qualquer modo, tento não sentimentalizar as situações que pareciam estar fadadas para tal. Desejo tornar mais pungentes pela ironia coisas tão irremediáveis como a “mão morta” de Marcenda (“mãozinha duas vezes esquerda, por estar desse lado e ser canhota, inábil, inerte, mão que irás bater àquela porta”).
José Saramago, in As palavras de Saramago

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