Sou
razoavelmente irônico. É uma das coisas que me caracterizam, além
de ser alto e calvo… No fundo, sou alguém que gostaria de brincar,
mas não pode ou não sabe fazê-lo. Isso resolve-se em mim pela
ironia, que é muitas vezes virada contra o próprio ou contra coisas
e pessoas que muito quer ou estima. Haveria que estabelecer
diferenças entre a troça, o sarcasmo, o humor e a ironia, tudo
parentes da mesma família mas, como acontece com as pessoas do mesmo
sangue, nem sempre se dão bem. Creio que a troça é o pior de tudo;
o sarcasmo, às vezes, é a única solução, enquanto que o humor é
uma espécie de gazua e a ironia pode ser um disfarce de qualquer
coisa grave, dor ou angústia, mas também pode ser prova ou
demonstração de amor. De qualquer modo, tento não sentimentalizar
as situações que pareciam estar fadadas para tal. Desejo tornar
mais pungentes pela ironia coisas tão irremediáveis como a “mão
morta” de Marcenda (“mãozinha duas vezes esquerda, por estar
desse lado e ser canhota, inábil, inerte, mão que irás bater
àquela porta”).
José
Saramago, in As palavras de Saramago
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