terça-feira, 19 de setembro de 2017

Abramowicz

Essa noite, não longe do cume da colina de Saint Pierre, uma valorosa e venturosa música grega nos acaba de revelar que a morte e mais inverossímil que a vida e que, por conseguinte, a alma perdura quando seu corpo é caos. Isto quer dizer que Maria Kodama, Isabelle Monet e eu somos três, como ilusoriamente acreditávamos. Somos quatro, já que também está conosco, Maurice. Com vinho tinto brindamos à sua saúde. Não fazia falta a tua voz, não fazia falta o roçar de tua mão nem tua memória. Estavas aí, silencioso e sem dúvida sorridente, ao perceber que nos assombrava e maravilhava esse fato notório que ninguém pode morrer. Estavas aí, ao nosso lado, e contigo as multidões dos que dormem com seus pais, segundo se lê nas páginas da Bíblia. Contigo estavam as multidões das sombras que beberam na tumba ante Ulisses e também Ulisses e também todos os que foram ou imaginaram os que foram. Todos estavam aí, e também meus pais e também Heráclito e Yorick. Como pode morrer uma mulher ou um homem ou uma criança, que foram tantas primaveras e tantas folhas, tantos livros e tantos pássaros e tantas manhãs e noites.
Esta noite posso chorar como um homem, posso sentir que pelas maçãs do rosto as lágrimas resvalam, porque sei que na terra não há uma só coisa que seja mortal e que não projete sua sombra. Esta noite me disseste sem palavras, Abramowicz, que devemos entrar na morte como quem entra em uma festa.
Jorge Luis Borges, in Os conjurados

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