domingo, 10 de setembro de 2017

A Guerra e Paris

Chegamos a Paris. Alugamos um apartamento com Rafael Alberti e Maria Teresa León, sua mulher, no Quai de L'Horloge, um bairro quieto e maravilhoso. Diante de nós via-se a Pont Neuf, a estátua de Henrique IV e os pescadores ao longo das margens do Sena. Atrás de nós ficava a praça Dauphine, nervaliana, com cheiro de folhagem e restaurante. Ali vivia o escritor francês Alejo Carpentier, um dos homens mais neutros que conheci. Não se atrevia a opinar sobre nada nem sequer sobre os nazistas que já se lançavam sobre Paris como lobos famintos.
De minha sacada, à direita, se a gente se inclinava para fora, divisavam-se os negros torreões da Conciergerie. Seu grande relógio dourado era para mim o último limite do bairro.
Tive por sorte na França - e por muitos anos - contar como melhores amigos os dois melhores homens de sua literatura: Paul Éluard e Aragon. Eram e são curiosos clássicos do entretenimento, de uma autenticidade vital que os situa no ponto mais sonoro do bosque da França. São a um tempo irredutíveis e naturais participantes da moral histórica. Poucos seres são tão diferentes entre si como estes dois. Desfrutei do prazer poético de perder muitas vezes tempo com Paul Éluard. Se os poetas respondessem de verdade às indagações, revelariam o segredo: não há nada tão belo quanto perder tempo. Cada um tem seu estilo para essa antiga atividade. Com Paul não me dava conta do dia nem da noite que passava e nunca soube se tinha importância ou não o que conversávamos. Aragon é uma máquina eletrônica da inteligência, do conhecimento, da virulência, da velocidade eloquente. Da casa de Sluard saí sempre sorrindo sem saber de quê. De algumas horas com Aragon saio esgotado porque o diabo do homem me obrigou a pensar. Os dois foram irresistíveis e leais amigos e talvez o que mais gosto neles é de sua grandeza antagônica.
Pablo Neruda, in Confesso que vivi

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