Eu
tinha uma janela que dava para a rua e terminei de escrever meu
primeiro romance em dezenove dias. Podia encher a cara à vontade e
não precisava dar satisfações no serviço, agora era meu patrão.
Ali eu estava, aos cinquenta anos, um escritor profissional, talvez.
Lia meus poemas em diversas universidades, bêbado, batendo boca com
a plateia. Meu treinamento com os caras da pesada no correio estava
valendo a pena. Era quase impossível me insultar e eu contra-atacava
com enorme eficiência. As Artes eram um pão-doce, uma mamata.
Coloquemos
mais uns anos na conta. Progredi. As mulheres chegavam, eu pulava na
cama com elas, saía da cama, brigava com elas, era terrível e
incomum para mim e elas eram mais espertas do que eu, sabiam como
lutar no corner, me enganavam, me encurralavam, mas eu arrumava um
jeito de seguir escrevendo. Meu sucesso estava quase todo na Europa,
por meio de traduções. Nos Estados Unidos, seguiam as histórias de
que eu espancava minhas mulheres, odiava homossexuais e que era um
cara hediondo e uma pessoa horrível. Os dândis da universidade me
passavam o serviço. Um estudante apareceu certa noite e, após
algumas cervejas, me disse:
– Meu
profe diz que você é um nazista e que venderia sua mãe por um
níquel.
– Isso
não é verdade – eu lhe disse –, minha mãe está morta.
Deixemos
tudo como está. Continuei escrevendo e a sorte não me abandonou.
Agora estamos chegando perto. Meu editor, Larkin, leu uma entrevista
que eu dei não sei onde em que falava de minhas influências:
Céline, Turguêniev e John Bante.
–
Bante? – ele me telefonou – Já o
ouvi mencionar o nome antes nos seus textos, mas achei que fosse
invenção sua, sabe, uma piada.
– Não,
ele está lá.
– Lá
aonde?
– Deve
estar ainda na biblioteca. Não sei. Espero que sim. Há apenas seus
primeiros livros. Parece que já não escreve mais. Talvez esteja
morto.
– Ele
é tão bom assim?
– É
o melhor.
– Por
que ninguém nunca fala dele?
– Me
diga você. Se encontrar os livros dele, comece por Sporting
Times? Yeah?
Algum
tempo se passou. Uma mulher tentou me matar. Fracassou. Então
naquela noite o telefone tocou, ela adorava teledramatizações, e eu
atendi e disse:
–
Escute aqui, quero que você fique FORA
da minha vida!
– Aqui
é o Larkin – ouvi.
– Ah...
–
Escute, li Sporting Times. É
realmente poderoso! Vou republicá-lo!
–
Ótimo. Ótimo...
– O
livro original vendeu 632 cópias. Bante ainda está vivo e mora em
Malibu...
–
Malibu? Oh, oh...
– Ele
entrou para a indústria cinematográfica...
–
Caralho...
– Era
a Depressão, ele tinha que sobreviver. Você sabe bem como foi. É
preciso perdoá-lo.
–
Claro. Não se pode escrever se você
está morto.
– E
a maioria de nós não consegue escrever de outro jeito. Seja como
for, vou republicar o livro e achei que talvez você quisesse
escrever o prefácio.
–
Amanhã estará no correio.
–
Ótimo!
Aí
estava: um dos grandes romances de nosso tempo prestes a ser retirado
das trevas em que esteve imerso por mais de quarenta anos depois de
eu ter, com muita sorte, puxado o volume daquela prateleira. Avancei
em direção à máquina de escrever para pronunciar o milagre de uma
época, sentindo-me bem com a bondade que estava por vir apesar de
tudo.
O
telefone voltou a tocar.
– Alô
– eu disse.
A
voz veio num tom monótono, cada palavra medida, sem qualquer
alteração de registro. Era como uma gravação: não havia paixão,
apenas esta finalidade certeira a cumprir:
–
Tentei matar você, mas não estou certa
de que não vou tentar de novo.
– Mas
a gente tinha chegado a um acordo, que se eu não desse queixa na
polícia, você ia parar com esse tipo de coisa.
– Não
posso ter certeza de nada – ela disse.
– Será
que você não consegue entender isso?
Ela
desligou.
Sporting
Times? Yeah?
Afastei-me
da máquina, dei a volta ao redor da cozinha e me servi uma dose
caprichada…
Charles
Bukowski, in Pedaços de um caderno manchado de vinho
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