quinta-feira, 20 de julho de 2017

Os benefícios da lua

A Lua, que é a personificação do capricho, olhou pela janela, enquanto dormias no teu berço, e disse consigo: — Gosto desta criança.
Desceu preguiçosamente a escada de nuvens e passou de mansinho pelas vidraças.
Depois, estendeu-se em cima de ti com a ternura macia de uma mãe e coloriu o teu rosto.
Tuas pupilas ficaram verdes e tuas faces extraordinariamente pálidas. Foi ao contemplar essa visitante que os teus olhos aumentaram de um modo tão estranho. E foi tal a ternura com que apertou tua garganta que ficaste para sempre com vontade de chorar.
Na expansão de sua alegria, a Lua enchia todo o quarto como uma atmosfera fosfórica, como um luminoso veneno. E toda aquela luz viva pensava e dizia: — Sofrerás eternamente a influência do meu beijo. Serás bela à minha maneira.
Amarás o que eu amo e o que me ama: a água, as nuvens, o silêncio e a noite; o mar verde e imenso; a água informe e multiforme; o lugar onde não estiveres; o amante que não conheceres; as flores monstruosas; os perfumes que fazem delirar; os gatos pasmados em cima dos pianos e gemendo como mulheres, com uma voz rouca e macia. Serás amada por meus amantes, cortejada por meus cortesãos. Serás a rainha dos homens de olhos verdes, cuja garganta eu também apertei nas minhas carícias noturnas; daqueles que amam o mar, o mar imenso, tumultuoso e verde, a água informe e multiforme, o lugar onde não estão, a mulher que não conhecem, as flores sinistras que parecem incensórios de uma religião desconhecida, os perfumes que perturbam a vontade, e os voluptuosos animais selvagens que simbolizam a loucura desses homens É por isso, maldita e querida enfant gatée, que eu agora estou deitado aos teus pés, procurando em toda a tua pessoa o reflexo da temível Divindade, da fatídica madrinha, da ama que envenena os lunáticos.
Charles Baudelaire, in Pequenos poemas em prosa

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