sexta-feira, 21 de julho de 2017

O homem entre os bois

Mas era que o Chico Pedro não era vaqueiro, e sim um pobre carreiro compago, dono da escravidão dos bois, impossível ele mesmo ciente de amá-los, bebedor do trabalho deles. Sem esforço de exemplo, todos e qualquer um — João Zem, ou Sebastião de Moraes, ou o José Arioplero, ou Uapa, grande cavaleiro do Urucuia, ou o preto Duvirjo, tirador de leite — cada um pode logo desmenti-lo.
Sim, boi pega estima, amizade. Nem todos, não sempre. Mas há, não raro, os que conseguem o assomo de um contágio de alma, o senso contínuo de um sentimento. Os que, no centro de sua fúria, no fervo da luta, se acalmam e acodem à voz do amigo que os trata. Os que seguem pronto de perto o guieiro, no romper das boiadas; e os que contramugem à leal tristeza do aboio, nele se dando a enlear e trazer, como por um laço. Talvez mesmo, talvez, os bons triões de Chico Pedro.
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E os homens. Esses que, a tão e tal, se vêm a enfrentar no ferrão a vaca louca ou o marruá soproso, chispando preto nos olhos e tremulando de ira muscular, esses, que esses, sofridos calejados, estão sempre tirando do pau do peito um desvelo, que nem que feminino, chegado a maternal, em todo passo de bom cuidado, ou lance de socorro. Como quando Bindoia, o mais desabrido da companhia, sem pragas se apeava do cavalo e vinha se meter até a cintura na correnteza de água do Ribeirão-do-Boi, para abraçar e ajudar um bezerro novo que não acertava como se desescorregar nas lajes molhadas e se debatia nas pernas, de resval, tiritando do frio do medo.
Guimarães Rosa, in Ave, palavra

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