Mas
era que o Chico Pedro não era vaqueiro, e sim um pobre carreiro
compago, dono da escravidão dos bois, impossível ele mesmo ciente
de amá-los, bebedor do trabalho deles. Sem esforço de exemplo,
todos e qualquer um — João Zem, ou Sebastião de Moraes, ou o José
Arioplero, ou Uapa, grande cavaleiro do Urucuia, ou o preto Duvirjo,
tirador de leite — cada um pode logo desmenti-lo.
Sim,
boi pega estima, amizade. Nem todos, não sempre. Mas há, não raro,
os que conseguem o assomo de um contágio de alma, o senso contínuo
de um sentimento. Os que, no centro de sua fúria, no fervo da luta,
se acalmam e acodem à voz do amigo que os trata. Os que seguem
pronto de perto o guieiro, no romper das boiadas; e os que
contramugem à leal tristeza do aboio, nele se dando a enlear e
trazer, como por um laço. Talvez mesmo, talvez, os bons triões de
Chico Pedro.
.
. .
E
os homens. Esses que, a tão e tal, se vêm a enfrentar no ferrão a
vaca louca ou o marruá soproso, chispando preto nos olhos e
tremulando de ira muscular, esses, que esses, sofridos calejados,
estão sempre tirando do pau do peito um desvelo, que nem que
feminino, chegado a maternal, em todo passo de bom cuidado, ou lance
de socorro. Como quando Bindoia, o mais desabrido da companhia, sem
pragas se apeava do cavalo e vinha se meter até a cintura na
correnteza de água do Ribeirão-do-Boi, para abraçar e ajudar um
bezerro novo que não acertava como se desescorregar nas lajes
molhadas e se debatia nas pernas, de resval, tiritando do frio do
medo.
Guimarães
Rosa, in Ave, palavra
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