domingo, 9 de julho de 2017

Mulher feita de terra

Está me ouvindo? — perguntei em voz baixa.
E sua voz me respondeu:
Onde você está?
Estou aqui, no seu povoado. Com a sua gente. Não está me vendo?
Não, filho, não vejo você. Sua voz parecia cobrir tudo. Perdia-se mais além da terra.
Não vejo você.

Regressei ao pedaço de teto onde aquela mulher dormia e disse a ela:
Vou ficar aqui, no meu mesmo canto. Afinal, a cama está tão dura como o chão. Se precisar de alguma coisa, me avise.
Ela me disse:
Donis não vai voltar. Vi em seus olhos. Estava esperando alguém chegar para ir embora. Agora você é que vai cuidar de mim. Ou não quer cuidar de mim? Venha dormir aqui comigo.
Estou bem aqui.
É melhor você subir na cama. Aí, vai ser comido pelos carrapatos. Então fui e me deitei com ela.

O calor me fez acordar por volta da meia-noite. E o suor. O corpo daquela mulher, feito de terra, envolvido em crostas de terra, se desfazia como se estivesse derretendo num charco de lodo. Eu me sentia nadar no meio do suor que jorrava dela e me faltou o ar que se necessita para respirar. Então me levantei. A mulher dormia. De sua boca borbotava um ruído de borbulhas muito parecido ao estertor.
Saí à rua; mas o calor que me perseguia não desgrudava de mim.
E é que não havia ar; só a noite entorpecida e quieta, acalorada pelas altas temperaturas de agosto.
Não havia ar. Tive de sorver o mesmo ar que saía da minha boca, parando-o com as mãos antes que ele fosse embora. Sentia o ar indo e vindo, cada vez menos; até que se fez tão fino que se filtrou entre meus dedos para sempre.
Digo para sempre.
Tenho memória de haver visto algo assim como nuvens espumosas fazendo redemoinhos sobre a minha cabeça e depois enxaguar-me com aquela espuma e me perder em sua nuvarada. Foi a última coisa que vi.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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