segunda-feira, 17 de julho de 2017

Achadouros

Acho que o quintal onde a gente brincou é maior
do que a cidade. A gente só descobre isso depois de
grande. A gente descobre que o tamanho das coisas
há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas.
Há de ser como acontece com o amor. Assim,
as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do
que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da
intimidade. Mas o que eu queria dizer sobre o nosso
quintal é outra coisa. Aquilo que a negra Pombada,
remanescente de escravos do Recife, nos contava.
Pombada contava aos meninos de Corumbá sobre
achadouros. Que eram buracos que os holandeses,
na fuga apressada do Brasil, faziam nos seus quintais
para esconder suas moedas de ouro, dentro de grandes
baús de couro. Os baús ficavam cheios de moedas
dentro daqueles buracos. Mas eu estava a pensar em
achadouros de infâncias. Se a gente cavar um buraco ao
pé da goiabeira do quintal, lá estará um guri ensaiando
subir na goiabeira. Se a gente cavar um buraco ao pé do
galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar no rabo
de uma lagartixa. Sou hoje um caçador de achadouros
de infância. Vou meio dementado e enxada às costas a
cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos.
Manoel de Barros

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