segunda-feira, 17 de julho de 2017

1982

Um acúmulo de pó formou-se no fundo da prateleira, de trás da fila de livros. Meus olhos não o veem. É uma teia de aranha para meu tato.
É uma parte ínfima da trama que chamamos a história uni versa ou o processo cósmico. É parte da trama que abarca es trelas agonias, migrações, navegações, luas, vaga-lumes, vigílias, naipes, bigornas, Cartago e Shakespeare.
Também são parte da trama esta página, que não acaba de ser um poema, e o sonho que sonhaste ao amanhecer e que já esqueceste. Há um fim da trama? Schopenhauer a acreditava tão insensata como os rostos ou os leões que vemos na configuração de uma nuvem.
Há um fim da trama? Esse fim não pode ser ético, já que a ética é uma ilusão dos homens, não das inescrutáveis divindades.
Talvez o acúmulo de pó não seja menos útil para a trama do que as naves que carregam um império ou a fragrância do nardo.
Jorge Luis Borges, in Os conjurados

Nenhum comentário:

Postar um comentário