A
pista de dança estava apinhada. Luzes coloridas relampejavam contra
espelhos de parede. Tiras de papel crepom pendiam e ondulavam em
laços retorcidos de viga em viga. Era o tipo comum de salão em que
o ingresso era grátis e você pagava dez centavos por dança e a
pista se esvaziava depois de cada número. Uma cerca de vime com
sessenta centímetros de altura circundava o piso de mármore.
Marinheiros, estivadores e suas mulheres, operários e suas esposas,
e turistas ricos, todos se esforçavam na pista. Cumprimentamos
alguns amigos e abrimos caminho até a cerca, onde assistíamos à
passagem ruidosa dos dançarinos, especialmente as mulheres. A
orquestra ainda atacava “Tiger Rag”. Espasmodicamente, um sujeito
gritava “Yippiiiii! Uahuuu!”.
Eddie
me cutucou: — Um californiano nativo que veio do Texas.
Eu
me sentia tenso e com a boca seca; salões de dança eram lugares
onde as mulheres conseguiam ser mais suaves. Tentei pensar num
adjetivo descritivo adequado. Em vez disso, meu pensamento me
forneceu uma sensação de inutilidade para adjetivos descritivos e
comecei a desejar ter ficado em casa e escrito minhas mil palavras.
Uma garota de cetim preto, ostentando quadris lustrosos, corria pelo
salão puxando seu parceiro suarento atrás de si. Eu a seguia com o
olhar e me perguntava como ela ganhava a vida e se lia Nietzsche. Com
tais quadris, especulei, certamente não tinha tido filhos; mas eu
apostava que não era virgem.
— Vamos
— disse Eddie. — Vamos andando.
Os
machos desacompanhados eram numerosos. Abrimos caminho no meio deles
até um pequeno corredor que circundava a pista e, caminhando por
essa passagem, observamos os espectadores sentados à nossa direita
em busca de mulheres desacompanhadas.
— Rapaz
— disse Eddie.
À
nossa frente havia duas garotas, solitárias, e uma era atraente, com
cabelos ruivo-acastanhados; a outra era feia. Sorriram
convidativamente quando nos aproximamos. Eddie me passou à frente e
ficou com a mais bonita.
— Te
vejo depois — disse. Eddie era rápido e um excelente dançarino.
Segui
em frente. A garota feia me observou passar. Três metros adiante eu
me virei. Nossos olhares se chocaram.
Oh,
Deus.
Segui
em frente, mais rápido. Tentei tecer palavras explicando por que eu
havia olhado para trás: “Havia um fascínio em sua feiura que,
talvez, revertesse meus olhos em sua direção.” E achei a frase
bem-feita, até, para o breve tempo em que foi composta.
Caminhei
pelo corredor do outro lado, onde vi duas garotas sentadas, uma
loura, outra morena. Inclinavam-se para a frente de modo que a cabeça
de uma estava quase no colo da outra e ambas falavam sem respirar.
Tinham cerca de vinte e cinco anos, provavelmente casadas, imaginei.
Ajeitei
a gravata e caminhei até elas. Sentia muito bem minha baixa altura e
minha pequenez, para ser sutil, e eu sabia disso, uma mera
desvantagem fisiológica impossível de ignorar. As garotas me
olharam por baixo das sobrancelhas, mal erguendo a cabeça. Seus
maxilares, mascando chiclete, pipocavam como pistões.
Decidi
convidar a loura, me chamei de babaca, e falei.
— Posso
ter esta dança?
A
música era um foxtrote lento.
Elas
pararam de mascar simultaneamente e se entreolharam. A loura examinou
suas unhas. Eram muito compridas.
— Nunca
danço com estranhos — disse.
Falava
com a amiga enquanto lixava as unhas sobre a coxa.
— Vá
lá, dance com ele, Elsie. Parece um bom sujeito.
Elsie
apertou os lábios até fazer beicinho e sacudiu a cabeça
lentamente.
— Ahan
— disse. Me deixou com raiva.
— Quer
dizer “Não, senhor”, não é?
Ergueu
o olhar para mim.
— Sim,
é o que eu quero dizer. “Não, senhor.”
Fui
embora.
— Ei,
você aí! — A loura gritou quando eu estava a três metros de
distância.
Voltei
até onde ela estava sentada ainda lixando as unhas.
— Mudei
de ideia. Suponho que você pode dançar esta comigo.
Por
qual tipo de babaca ela me tomava?
— É
muito gentil da sua parte — falei —, e, como isso é um jogo de
suposições, suponho que você pode ir para o inferno.
Ela
mordeu os lábios, me olhou de soslaio, e ficou com um belo rubor.
Tentei sorrir, mas foi difícil. Ao me afastar, ouvi a loura dizer à
amiga: — Nunca fui tão insultada em toda minha vida.
Congratulei-me
com minha réplica. Lembrei que Voltaire, Huneker e George Jean
Nathan eram mestres do ofício e fiquei a imaginar como teriam lidado
com ela. Talvez não tão estupidamente, mas por certo com palavras
do mesmo efeito. Então me chamei de burro porque pouco tempo atrás
eu andava por aí citando de cor trechos do American Credo, de
Mencken.
A
orquestra começou a tocar uma canção alemã muito bonita “Dois
Corações em Compasso 3/4”. Fui até a pista observar os
dançarinos valsarem com a música selecionada. Seria esplêndido,
pensei, se eu pudesse cantar as palavras do tema, mas, já que
desejava isso, seria melhor ir mais fundo e desejar conhecer a língua
toda. Raciocinei assim. Disse a mim mesmo que eu admirava tudo
teutônico, pela simples razão de que os homens que eu mais
apreciava eram alemães. Imaginei o que a loura estaria dizendo.
Pensei em Nietzsche, lembrando a mim mesmo que sequer sabia se
pronunciava seu nome corretamente, embora o respeitasse tanto quanto
meu próprio nome. Evoquei Zaratustra: “Amarga é a mais doce das
mulheres”, e “Vais ao encontro de uma mulher? Não te esqueças
do chicote.” Fiquei a pensar se Nietzsche escrevera palavras tão
ácidas como chavões. Tinha de esquecer Nietzsche se queria ter uma
noite decente. Disse a mim mesmo com vigor que aos trinta e três
anos Nietzsche ainda me influenciaria. “Mas”, pensei, “suponha
que Nietzsche saísse da pista e me dissesse: ‘Ei, você aí,
rapaz, vá lá fora e estoure os miolos’.” Fiquei pensando como
aquilo me magoaria. A garota de cetim preto deslizou por mim e me
esqueci dele, e minha mente embarcou num solilóquio de amor a ela.
Sherwood Anderson, lembrei, tinha escrito que muitas vezes ver uma
mulher caminhar através de um assoalho era um espetáculo de pura
beleza. Ele devia ter pensado numa mulher de cetim preto; devia ter
significado algo um pouco além da marca da beleza, a mera qualidade
estética.
A
garota e seu parceiro circularam pela pista três vezes. Nem por um
instante apartei meus olhos de sua cintura. A valsa terminou, ela
desapareceu numa multidão na entrada e eu mal pude olhar para seu
rosto. Se a visse de novo, vestindo um casaco, não a reconheceria.
E, pensei, segundo a religião do meu batismo, que havia cometido um
pecado mortal, e agora estava destinado ao inferno mais do que nunca.
Amaldiçoei todos os padres.
John
Fante, in A grande fome: Contos (1932-1959)
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