sexta-feira, 30 de junho de 2017

Sou um escritor de verdade (trecho)

Não existe nada entre Jenny e eu. Moro de um lado do corredor, ela mora do outro, no andar superior de uma casa de dois andares. O outro aposento aqui em cima é o banheiro. Quando cheguei aqui pensei que podia haver algo. Ouvi o ruído de saltos altos no corredor e no quarto ao lado, e, no banheiro, vi umas coisas azul-pálidas penduradas para secar. Eu as toquei, pois me cativavam, e sua maciez e fragrância trouxeram ideias agradáveis à minha imaginação. Mas nada aconteceu.
Quando ouvia o toc-toc dos saltos altos, eu estava sentado no meu quarto, sempre à noite, e batia violentamente à máquina de escrever, martelava com toda força, escrevendo qualquer coisa que me viesse à cabeça, qualquer coisa. O Discurso de Gettysburg, ou um soneto de Shakespeare, ou qualquer outra coisa, simplesmente batendo nas teclas com muita força para que o som viajasse, pois existem aqueles que vão saber que um escritor está no quarto pelo ruído de sua máquina de escrever e vão gostar do som e virão à sua porta e perguntarão a ele se escreve, e o que escreve — quero dizer, mulheres —, pois isso me aconteceu muitas vezes, já que morei aqui e ali nesta grande cidade, em casas, apartamentos e hotéis, e sei que o negócio de martelar uma máquina de escrever é invariavelmente bem-sucedido, invariavelmente trazendo alguém, um homem ou uma mulher, geralmente uma mulher solitária e curiosa; e, às vezes, muitas vezes, um homem, um homem raivoso que manda você parar com aquilo para que ele possa conseguir algum sono.
Eu morava nesta casa há três dias, até que vi Jenny. O ruído da minha grande máquina nunca a atraiu, nem uma vez sequer a fez parar à minha porta e se perguntar, talvez investigar. Isso me surpreendeu e pensei em outros métodos. Mas, de um modo ou de outro, todas as coisas saem da minha máquina e eu nada mais podia fazer; então, bati as teclas ainda com mais força. Isso foi de noite, depois que a ouvi ir para a cama. Mas o barulho nunca a perturbou. Aparentemente ela dormia sem interrupção. Por fim, foi ela que me atraiu.
Era o telefone. Toda noite ele tocava sem parar ao pé das escadas e era sempre para ela. Com o tempo, fraquejei, afastei meus dedos doloridos do teclado, fiquei parado à porta e ouvi sua conversa telefônica. Dessa vez falava com uma pessoa chamada Jimmie.
Olá, Jimmie, queridão!
Olá, Jimmie, seu menino safado!
Pô, Jimmie, menino safado!
Jimmie! Seu safadão!
Ouvi aquele tipo de coisa por muito tempo, chocado com a estupidez de um diálogo tão banal. Assim que ela desligou, corri de volta para a máquina de escrever e comecei a martelar de novo. Mas não adiantou nada. Seus pés subiram as escadas e atravessaram o corredor sem nenhuma pausa, e então a porta se fechou.
Depois conheci esse Jimmie. Era um tipo boçal, um dândi que usava casacos xadrez e gravatas com estampas selvagens, um salafrário que não se impressionou com a ousada simplicidade de meus pés descalços em chinelos caseiros, embora meus pés estivessem sobre a mesa de Jenny e eu fumasse um cachimbo maior e mais comprido do que qualquer outro cachimbo na cidade de Los Angeles. Jimmie era um agente de assinaturas de revistas.
Eu vendo para todas as figuraças — disse ele. — Anne Harding é uma de minhas clientes.
É claro que ele esperava que eu caísse da cadeira com isso. Fumei em silêncio, enquanto ele e Jenny esperavam meu comentário.
Quem? — falei. — Não me diga que é a atriz de cinema? Muito trágico. Muito trágico mesmo.
Depois Jenny me contou ainda mais dessa chiquérrima da Anne Harding. — Ela compra todas as suas revistas de Jimmie. Dúzias de revistas.
Isso — comentei — curiosamente não impressiona nem um pouco. Mesmo o fato de que, sem dúvida, muitas histórias que eu escrevi foram publicadas nestas revistas, não consegue despertar meu entusiasmo.
Aqui, de novo, a sagaz urbanidade de minha observação foi lançada em solo caipira. Mas não importava, porque eu não estava muito interessado e sua amizade por Jimmie não era da minha alçada.
Vou contar a verdade sobre minha primeira conversação com Jenny. Foi na noite em que a senhoria nos apresentou. Convidei Jenny para tomar uma taça de vinho em meu quarto. Na verdade, tentei chocá-la. Ela fumava um cigarro apoiada sobre a cômoda, enquanto eu servia o vinho. Olhei de frente para ela.
Incomoda-se se eu a chamar de Jenny? — perguntei. — O nome tem um sabor divertido e bucólico.
De modo algum! — sorriu, porque não sabia o significado de bucólico. Passei a ela a taça de vinho.
Hummm! — ela disse. — Obrigada!
Eu estudava seu rosto de perto, examinando-o como um estudante da humanidade, um escritor, o examinaria. Isso a deixou meio constrangida. Ergueu a taça.
A você! — brindou. — Sei que deve ser um grande escritor.
Toquei sua taça e ri. No momento tomei consciência de que, afinal, a garota não era completamente sem esperança.
A questão repousa na História — expliquei. — Eu vivo apenas no passado e no futuro.
Esvaziamos nossas taças. Servi mais duas vezes.
Jenny — falei. — Eu sou um homem da Verdade. Permita-me fazer uma observação sobre você.
Ela ergueu a taça.
Pode atirar, sr. Charles Dickens! Me acerte com o cano duplo!
Jenny — continuei. — Sou como meu grande predecessor, Huneker. Nada na face da Terra me incomoda mais do que uma demi-vierge provocadora.
Demi-vierge? — perguntou. —O que é uma demi-vierge?
Uma amásia — e sorri.
Amásia? — disse ela. — Eu passo, professor. O que é isso?
Sacudi a cabeça com tristeza.
Uma amásia — falei — é uma megera.
E o que é uma megera?
Uma megera — falei — é uma hetaira.
Me pegou de novo, professor. O que é uma hetaira?
Uma hetaira é uma meretriz.
Uma rameira? — franziu a testa e então sorriu. — Tem um som bonito, mas ainda estou boiando.
Uma Dalila — falei. — Uma Taís. Uma Messalina. Uma Jezebel.
Vamos lá de novo — disse ela. — Tente mais uma vez.
O dicionário está bem ali. Consulte.
Ela colocou a taça na mesa e correu para o dicionário.
Claro! — falou. — Que palavra?
É melhor tentar meretriz — falei. Ela consultou.
E então fechou o dicionário.
Mas o que isso tem a ver comigo?
Não estou seguro de que o que respondi era verdade. Mas ninguém pode negar que tinha o som e a força de uma análise surpreendente, uma bomba e, verdade ou mentira, digna de uma explosão, simplesmente pelo efeito.
Jenny — falei. — Toda a raça feminina é uma meretriz embrionária. A tendência é poderosa e, a partir da puberdade, as mulheres devem combater isso como combateriam o tifo.
Ela depôs a taça de vinho, apagou o cigarro e saiu do quarto.
Você é horrível — disse. — Simplesmente medonho.
John Fante, in A grande fome: Contos (1932-1959)

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