Não
existe nada entre Jenny e eu. Moro de um lado do corredor, ela mora
do outro, no andar superior de uma casa de dois andares. O outro
aposento aqui em cima é o banheiro. Quando cheguei aqui pensei que
podia haver algo. Ouvi o ruído de saltos altos no corredor e no
quarto ao lado, e, no banheiro, vi umas coisas azul-pálidas
penduradas para secar. Eu as toquei, pois me cativavam, e sua maciez
e fragrância trouxeram ideias agradáveis à minha imaginação. Mas
nada aconteceu.
Quando
ouvia o toc-toc dos saltos altos, eu estava sentado no meu quarto,
sempre à noite, e batia violentamente à máquina de escrever,
martelava com toda força, escrevendo qualquer coisa que me viesse à
cabeça, qualquer coisa. O Discurso de Gettysburg, ou um soneto de
Shakespeare, ou qualquer outra coisa, simplesmente batendo nas teclas
com muita força para que o som viajasse, pois existem aqueles que
vão saber que um escritor está no quarto pelo ruído de sua máquina
de escrever e vão gostar do som e virão à sua porta e perguntarão
a ele se escreve, e o que escreve — quero dizer, mulheres —, pois
isso me aconteceu muitas vezes, já que morei aqui e ali nesta grande
cidade, em casas, apartamentos e hotéis, e sei que o negócio de
martelar uma máquina de escrever é invariavelmente bem-sucedido,
invariavelmente trazendo alguém, um homem ou uma mulher, geralmente
uma mulher solitária e curiosa; e, às vezes, muitas vezes, um
homem, um homem raivoso que manda você parar com aquilo para que ele
possa conseguir algum sono.
Eu
morava nesta casa há três dias, até que vi Jenny. O ruído da
minha grande máquina nunca a atraiu, nem uma vez sequer a fez parar
à minha porta e se perguntar, talvez investigar. Isso me surpreendeu
e pensei em outros métodos. Mas, de um modo ou de outro, todas as
coisas saem da minha máquina e eu nada mais podia fazer; então,
bati as teclas ainda com mais força. Isso foi de noite, depois que a
ouvi ir para a cama. Mas o barulho nunca a perturbou. Aparentemente
ela dormia sem interrupção. Por fim, foi ela que me atraiu.
Era
o telefone. Toda noite ele tocava sem parar ao pé das escadas e era
sempre para ela. Com o tempo, fraquejei, afastei meus dedos doloridos
do teclado, fiquei parado à porta e ouvi sua conversa telefônica.
Dessa vez falava com uma pessoa chamada Jimmie.
— Olá,
Jimmie, queridão!
— Olá,
Jimmie, seu menino safado!
— Pô,
Jimmie, menino safado!
—
Jimmie!
Seu safadão!
Ouvi
aquele tipo de coisa por muito tempo, chocado com a estupidez de um
diálogo tão banal. Assim que ela desligou, corri de volta para a
máquina de escrever e comecei a martelar de novo. Mas não adiantou
nada. Seus pés subiram as escadas e atravessaram o corredor sem
nenhuma pausa, e então a porta se fechou.
Depois
conheci esse Jimmie. Era um tipo boçal, um dândi que usava casacos
xadrez e gravatas com estampas selvagens, um salafrário que não se
impressionou com a ousada simplicidade de meus pés descalços em
chinelos caseiros, embora meus pés estivessem sobre a mesa de Jenny
e eu fumasse um cachimbo maior e mais comprido do que qualquer outro
cachimbo na cidade de Los Angeles. Jimmie era um agente de
assinaturas de revistas.
— Eu
vendo para todas as figuraças — disse ele. — Anne Harding é uma
de minhas clientes.
É
claro que ele esperava que eu caísse da cadeira com isso. Fumei em
silêncio, enquanto ele e Jenny esperavam meu comentário.
— Quem?
— falei. — Não me diga que é a atriz de cinema? Muito trágico.
Muito trágico mesmo.
Depois
Jenny me contou ainda mais dessa chiquérrima da Anne Harding. —
Ela compra todas as suas revistas de Jimmie. Dúzias de revistas.
— Isso
— comentei — curiosamente não impressiona nem um pouco. Mesmo o
fato de que, sem dúvida, muitas histórias que eu escrevi foram
publicadas nestas revistas, não consegue despertar meu entusiasmo.
Aqui,
de novo, a sagaz urbanidade de minha observação foi lançada em
solo caipira. Mas não importava, porque eu não estava muito
interessado e sua amizade por Jimmie não era da minha alçada.
Vou
contar a verdade sobre minha primeira conversação com Jenny. Foi na
noite em que a senhoria nos apresentou. Convidei Jenny para tomar uma
taça de vinho em meu quarto. Na verdade, tentei chocá-la. Ela
fumava um cigarro apoiada sobre a cômoda, enquanto eu servia o
vinho. Olhei de frente para ela.
—
Incomoda-se
se eu a chamar de Jenny? — perguntei. — O nome tem um sabor
divertido e bucólico.
— De
modo algum! — sorriu, porque não sabia o significado de bucólico.
Passei a ela a taça de vinho.
—
Hummm!
— ela disse. — Obrigada!
Eu
estudava seu rosto de perto, examinando-o como um estudante da
humanidade, um escritor, o examinaria. Isso a deixou meio
constrangida. Ergueu a taça.
— A
você! — brindou. — Sei que deve ser um grande escritor.
Toquei
sua taça e ri. No momento tomei consciência de que, afinal, a
garota não era completamente sem esperança.
— A
questão repousa na História — expliquei. — Eu vivo apenas no
passado e no futuro.
Esvaziamos
nossas taças. Servi mais duas vezes.
— Jenny
— falei. — Eu sou um homem da Verdade. Permita-me fazer uma
observação sobre você.
Ela
ergueu a taça.
— Pode
atirar, sr. Charles Dickens! Me acerte com o cano duplo!
— Jenny
— continuei. — Sou como meu grande predecessor, Huneker. Nada na
face da Terra me incomoda mais do que uma demi-vierge
provocadora.
—
Demi-vierge?
— perguntou. —O que é uma demi-vierge?
— Uma
amásia — e sorri.
—
Amásia?
— disse ela. — Eu passo, professor. O que é isso?
Sacudi
a cabeça com tristeza.
— Uma
amásia — falei — é uma megera.
— E
o que é uma megera?
— Uma
megera — falei — é uma hetaira.
— Me
pegou de novo, professor. O que é uma hetaira?
— Uma
hetaira é uma meretriz.
— Uma
rameira? — franziu a testa e então sorriu. — Tem um som bonito,
mas ainda estou boiando.
— Uma
Dalila — falei. — Uma Taís. Uma Messalina. Uma Jezebel.
— Vamos
lá de novo — disse ela. — Tente mais uma vez.
— O
dicionário está bem ali. Consulte.
Ela
colocou a taça na mesa e correu para o dicionário.
—
Claro!
— falou. — Que palavra?
— É
melhor tentar meretriz — falei. Ela consultou.
E
então fechou o dicionário.
— Mas
o que isso tem a ver comigo?
Não
estou seguro de que o que respondi era verdade. Mas ninguém pode
negar que tinha o som e a força de uma análise surpreendente, uma
bomba e, verdade ou mentira, digna de uma explosão, simplesmente
pelo efeito.
— Jenny
— falei. — Toda a raça feminina é uma meretriz embrionária. A
tendência é poderosa e, a partir da puberdade, as mulheres devem
combater isso como combateriam o tifo.
Ela
depôs a taça de vinho, apagou o cigarro e saiu do quarto.
— Você
é horrível — disse. — Simplesmente medonho.
John
Fante, in A
grande fome: Contos (1932-1959)
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