Antes
do amanhecer sonhei um sonho que me deixou espantado e que tratarei
de ordenar.
Teus
maiores te engendram. Na outra fronteira dos desertos há umas salas
de aula empoeiradas ou, se se quiser, uns depósitos empoeirados, e
nessas salas ou depósitos há filas paralelas de quadros-negros cuja
longitude se mede por léguas, nos quais alguém traçou com giz
letras e números. Ignora-se quantos quadros-negros há em conjunto,
mas entende-se que são muitos e que alguns estão abarrotados e
outros quase vazios. As portas das paredes são corrediças, à
maneira do Japão, e estão feitas de um metal oxidado. O edifício
inteiro é circular, mas é tão enorme que de fora não se percebe a
menor curvatura, e o que se vê é uma reta. Os apertados
quadros-negros são mais altos que um homem e alcançam até o teto
de gesso, que é esbranquiçado ou cinzento. No flanco esquerdo do
quadro-negro há primeiro palavras e depois números. As palavras se
ordenam verticalmente, como em um dicionário. A primeira é Aar, o
rio de Berna. Seguem-na os algarismos arábicos, cuja cifra é
indefinida mas seguramente não infinita. Indicam o número preciso
de vezes que verás aquele rio, o número preciso de vezes que o
descobrirás no mapa, o número preciso de vezes que sonharás com
ele. A última palavra é por acaso Zwingli e fica muito longe. Em
outro desmedido quadro-negro está inscrita neverness e ao
lado dessa estranha palavra há agora uma cifra. Todo o decurso de
tua vida está nesses signos.
Não
há um segundo que não esteja roendo uma série.
Esgotarás
a cifra que corresponde ao sabor do gengibre e seguirás vivendo.
Esgotarás a cifra que corresponde à lisura do cristal e seguirás
vivendo alguns dias. Esgotarás a cifra das batidas que te foram
fixadas e então terás morrido.
Jorge
Luis Borges, in Os conjurados
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