quarta-feira, 7 de junho de 2017

Sonho sonhado em Edimburgo

Antes do amanhecer sonhei um sonho que me deixou espantado e que tratarei de ordenar.
Teus maiores te engendram. Na outra fronteira dos desertos há umas salas de aula empoeiradas ou, se se quiser, uns depósitos empoeirados, e nessas salas ou depósitos há filas paralelas de quadros-negros cuja longitude se mede por léguas, nos quais alguém traçou com giz letras e números. Ignora-se quantos quadros-negros há em conjunto, mas entende-se que são muitos e que alguns estão abarrotados e outros quase vazios. As portas das paredes são corrediças, à maneira do Japão, e estão feitas de um metal oxidado. O edifício inteiro é circular, mas é tão enorme que de fora não se percebe a menor curvatura, e o que se vê é uma reta. Os apertados quadros-negros são mais altos que um homem e alcançam até o teto de gesso, que é esbranquiçado ou cinzento. No flanco esquerdo do quadro-negro há primeiro palavras e depois números. As palavras se ordenam verticalmente, como em um dicionário. A primeira é Aar, o rio de Berna. Seguem-na os algarismos arábicos, cuja cifra é indefinida mas seguramente não infinita. Indicam o número preciso de vezes que verás aquele rio, o número preciso de vezes que o descobrirás no mapa, o número preciso de vezes que sonharás com ele. A última palavra é por acaso Zwingli e fica muito longe. Em outro desmedido quadro-negro está inscrita neverness e ao lado dessa estranha palavra há agora uma cifra. Todo o decurso de tua vida está nesses signos.
Não há um segundo que não esteja roendo uma série.
Esgotarás a cifra que corresponde ao sabor do gengibre e seguirás vivendo. Esgotarás a cifra que corresponde à lisura do cristal e seguirás vivendo alguns dias. Esgotarás a cifra das batidas que te foram fixadas e então terás morrido.
Jorge Luis Borges, in Os conjurados

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