Você
me pergunta: “Por que alguns sofrem e outros não?” Essa pergunta
é uma confissão. Quem faz essa pergunta é porque está sofrendo.
As perguntas nascem sempre das nossas feridas. Mas essa pergunta
revela que o seu sofrimento não é sofrimento comum. É sofrimento
que não faz sentido. “Por quê? Por quê? Eu não mereço!” Se
aos bons e inocentes fossem dados prazer e alegria e aos maus e
culpados, sofrimento e desgraças, a gente compreenderia e até
acharia bom. Pois parece justo que os maus paguem suas maldades com
sofrimento. Toda maldade deve ser castigada. E parece justo que os
bons sejam recompensados com prazeres e alegrias.
O
filósofo Emanuel Kant dizia que duas coisas o enchiam de espanto: a
ordem das estrelas, no céu, e o sentimento moral, no coração dos
homens. O sentimento moral é isto: a consciência de que há atos
bons e atos maus. É essa distinção moral entre o bem e o mal que
torna possível a ordem humana. Os criminosos devem ser castigados.
Os bons devem ser recompensados.
Imagine
agora que o universo é uma ordem moral. Se ele é uma ordem moral,
então os bons são recompensados e os maus são punidos. Se esse é
o caso, somos forçados a concluir que, se alguém está sofrendo,
seu sofrimento tem de ser merecido. Sofrimento é castigo por
algum ato mau que se cometeu. Os discípulos de Jesus pensavam assim.
Eles viram um cego mendigando à beira da estrada e concluíram que a
sua cegueira era castigo de Deus por algum pecado dele ou dos seus
pais. (Que Deus horrendo esse, que castiga nos filhos os pecados dos
pais!) E foram logo perguntando: “Quem pecou, ele ou seus pais,
para que nascesse cego?” Mas Jesus discordou. Ele não acreditava
que os sofrimentos são punição por algo mau que se fez. O Deus de
Jesus não deseja que os homens sofram. Sua resposta foi: “Nem ele
nem seus pais.”
Se
sofrimentos e prazeres fossem distribuídos com justiça, você não
teria feito a sua pergunta. Mas você sabe que isso não acontece. A
verdade é que muitas coisas ruins acontecem a pessoas boas e muitas
coisas boas acontecem a pessoas ruins. E isso nos parece absurdamente
injusto. A sua pergunta surge do seu sentimento moral. Você deseja
que haja justiça. Mas o sofrimento dos bons e os prazeres dos maus
nos dizem que o universo não é uma ordem moral. Os bons não são
premiados e os maus castigados. Se assim fosse, seria um ótimo
negócio ser bom. Há umas religiões que ensinam que, se a gente
está bem com Deus, tudo dá certo. Se o sofrimento vem, elas
concluem, é porque a pessoa fez uma coisa errada: não está bem com
Deus. Quando as pessoas dizem, com toda a honestidade de que são
capazes: “Eu não merecia!”, elas estão afirmando a sua
inocência. Afirmam a injustiça do seu sofrimento.
Mas
agora veja: essa pergunta só tem sentido se você imaginar que os
sofrimentos e os prazeres são enviados por Alguém todo-poderoso,
que toma conta do universo. Muitas pessoas acreditam assim. Elas
acham que as pessoas sofrem porque Deus quer. A criancinha com
câncer, o jovem adolescente que morre num desastre de carro, a
pessoa que é assassinada por um assaltante, as enchentes e
terremotos que tiram a vida de milhares – tudo isso Deus poderia
ter evitado se ele tivesse querido. Confesso a você que, se eu
acreditasse num Deus assim, se eu acreditasse num Deus que tem prazer
no sofrimento das pessoas, eu o odiaria do mais profundo do meu
coração.
Pense
na vida como uma imensa roleta. Há probabilidades infinitas à nossa
espera. Coisas boas, coisas más. De vez em quando acontece uma coisa
boa. De vez em quando acontece uma coisa ruim. Quem é responsável?
Ninguém. A roleta é cega. Não foi “Alguém”, invisível, que
fez com que a coisa ruim ou a coisa boa acontecesse. Foi um puro
acidente – sem razões, sem explicações.
Viver
é estar jogando esta roleta, sem fim. É sempre possível que algo
terrível me aconteça. Se acontecer, eu sofrerei. Mas não culparei
ninguém. Sofrerei sem revolta, sabendo que Deus é inocente.
Rubem
Alves, in Se eu pudesse viver minha vida novamente
Que o nosso bondoso Deus continue te usando, dando essa inspiração e ajudando aqueles que ainda não compreendem o Deus que nos ama!!
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