Pelo
teto aberto ao céu vi passar revoadas de tordos, esses pássaros que
voam ao entardecer antes que a escuridão feche seus caminhos para
eles. Depois, umas quantas nuvens já esfiapadas pelo vento que vem
para levar o dia embora.
Depois
apareceu a estrela da tarde e mais tarde a lua.
O
homem e a mulher não estavam comigo. Saíram pela porta que dava ao
quintal e quando retornaram já era noite. Assim, não souberam o que
aconteceu enquanto estavam lá fora.
E
foi isto o que aconteceu:
Vindo
da rua, uma mulher entrou no quarto. Era velha de muitos anos, e
magra como se tivessem curtido e encolhido seu couro. Entrou e
passeou seus olhos redondos pelo quarto. Pode ser até que tenha me
visto. Pode ser até que tenha achado que eu estava dormindo. Foi
direto até onde estava a cama e tirou de debaixo dela um baú
forrado de couro. Revirou-o. Pôs uns lençóis debaixo do braço e
foi andando na ponta dos pés para não me acordar.
Eu
fiquei teso, aguentando a respiração, procurando olhar para o outro
lado. Até que enfim consegui torcer a cabeça e ver até lá, até
onde a estrela da tarde tinha se juntado com a lua.
— Tome
isso! — ouvi.
Não
me atrevi a voltar a cabeça.
— Tome!
Vai fazer bem. É água de flor de laranjeira. Sei que você está
assustado porque está tremendo. Com isso o medo vai sumir.
Reconheci
aquelas mãos e ao erguer os olhos reconheci a cara. O homem, que
estava atrás dela, perguntou:
— O
senhor está se sentindo mal?
— Não
sei. Vejo coisas e gente onde talvez vocês não vejam nada. Acaba de
passar por aqui uma senhora. Vocês devem ter visto quando ela saiu.
— Venha
cá — disse ele para a mulher. — Deixa ele sozinho. Deve ser um
místico.
— A
gente devia é deitá-lo na cama. Olha só como ele treme, na certa
tem um febrão.
— Não
dê confiança a ele. Esses sujeitos se põem nesse estado para
chamar a atenção. Conheci um na Media Luna que se dizia adivinho. O
que nunca adivinhou foi que ia morrer assim que o patrão descobriu
que ele era um trapaceiro. Esse aí há de ser um desses místicos.
Passam a vida recorrendo povoados “para ver o que a Providência
Divina quer dar a vocês”; mas aqui não vai achar nem quem mate a
sua fome. Está vendo como parou de tremer? É que está escutando a
gente.
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
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