sexta-feira, 16 de junho de 2017

Para ver o que a Providência Divina quer dar a vocês

Pelo teto aberto ao céu vi passar revoadas de tordos, esses pássaros que voam ao entardecer antes que a escuridão feche seus caminhos para eles. Depois, umas quantas nuvens já esfiapadas pelo vento que vem para levar o dia embora.
Depois apareceu a estrela da tarde e mais tarde a lua.
O homem e a mulher não estavam comigo. Saíram pela porta que dava ao quintal e quando retornaram já era noite. Assim, não souberam o que aconteceu enquanto estavam lá fora.
E foi isto o que aconteceu:
Vindo da rua, uma mulher entrou no quarto. Era velha de muitos anos, e magra como se tivessem curtido e encolhido seu couro. Entrou e passeou seus olhos redondos pelo quarto. Pode ser até que tenha me visto. Pode ser até que tenha achado que eu estava dormindo. Foi direto até onde estava a cama e tirou de debaixo dela um baú forrado de couro. Revirou-o. Pôs uns lençóis debaixo do braço e foi andando na ponta dos pés para não me acordar.
Eu fiquei teso, aguentando a respiração, procurando olhar para o outro lado. Até que enfim consegui torcer a cabeça e ver até lá, até onde a estrela da tarde tinha se juntado com a lua.
Tome isso! — ouvi.
Não me atrevi a voltar a cabeça.
Tome! Vai fazer bem. É água de flor de laranjeira. Sei que você está assustado porque está tremendo. Com isso o medo vai sumir.
Reconheci aquelas mãos e ao erguer os olhos reconheci a cara. O homem, que estava atrás dela, perguntou:
O senhor está se sentindo mal?
Não sei. Vejo coisas e gente onde talvez vocês não vejam nada. Acaba de passar por aqui uma senhora. Vocês devem ter visto quando ela saiu.
Venha cá — disse ele para a mulher. — Deixa ele sozinho. Deve ser um místico.
A gente devia é deitá-lo na cama. Olha só como ele treme, na certa tem um febrão.
Não dê confiança a ele. Esses sujeitos se põem nesse estado para chamar a atenção. Conheci um na Media Luna que se dizia adivinho. O que nunca adivinhou foi que ia morrer assim que o patrão descobriu que ele era um trapaceiro. Esse aí há de ser um desses místicos. Passam a vida recorrendo povoados “para ver o que a Providência Divina quer dar a vocês”; mas aqui não vai achar nem quem mate a sua fome. Está vendo como parou de tremer? É que está escutando a gente.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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