O
sono do líder é agitado. A mulher sacode-o até acordá-lo do
pesadelo. Estremunhado, ele se levanta, bebe um pouco de água, vai
ao banheiro onde se vê diante do espelho. O que vê ele? Um homem de
meia-idade. Ele alisa os cabelos das têmporas, volta a deitar-se.
Adormece e a agitação do mesmo sonho recomeça.”Não, não!”
debate-se com a garganta seca.
É
que o líder se assusta enquanto dorme. O povo ameaça o líder? Não,
pois se foi o povo que o elegeu como líder do povo. O povo ameaça o
líder? Não, pois escolheu-o no meio de lutas quase sangrentas. O
povo ameaça o líder? Não, porque o líder cuida do povo. Cuida do
povo? Sim, o povo ameaça o líder do povo. O líder revolve-se na
cama. De noite ele tem medo.
Mesmo
que seja um pesadelo sem história. De noite vê caras quietas, uma
atrás da outra. E nenhuma expressão nas caras. É só este o
pesadelo, apenas isso. Mas cada noite, mal adormece, mais caras
quietas vão-se reunindo às outras, como na fotografia em branco e
preto de uma multidão em silêncio. Por quem é este silêncio? Pelo
líder. É uma sucessão de caras iguais como numa repetição
monótona de um rosto só. Parece uma terrível fotomontagem onde a
inexpressão das caras dá-lhe medo. Nesse painel monstruoso, caras
sem expressão. Mas o líder se cobre de suores porque os milhares de
olhos vazios não pestanejavam. Eles o haviam escolhido. E antes que
eles enfim se aproximassem definitivamente, ele gritou: sim, eu
menti!
Clarice
Lispector, in A descoberta do mundo
Muito bom !
ResponderExcluir