A
moça — esguia, linha “dançante”, sapatos de bico quadrado —
dirigiu-se à livreira:
— Ele
me pediu que viesse ver uns livros. A senhora está informada?
—
Estou. Telefonou pedindo que separássemos
todos os livros sobre Betúlia. Mas ele não vem escolher
pessoalmente?
—
Coitado, não pode. Está estudando.
— Estes
livros também servem para estudo — a livreira sorriu.
— É
claro. Mas além disso está tomando providências, para não ser
colhido de surpresa.
—
Surpresa? Pois já não foi escolhido?
—
Escolhido, foi. Não foi é convidado.
Estamos aguardando a qualquer hora.
— Ahn.
— O
presidente deu-lhe um tapinha no ombro e disse que precisava dele.
—
Precisava para quê?
— Só
pode ser para embaixador.
— Em
Betúlia?
— Ele
escreveu um artigo sobre ritos tribais em Betúlia. O presidente não
perde os artigos dele. Se bem que ele preferisse ficar por aqui
mesmo, num posto de responsabilidade. Há tantos. Me mostre os
livros, por gentileza.
— São
esses. A pilha é grande, como vê.
—
Ótimo. Quanto mais volumes ele ler, mais
habilitado estará para ser um grande embaixador em Betúlia, não é
mesmo? Se bem que, para mim, não há nada como a observação
direta, a vivência. Ele é inteligentíssimo, chega a Betúlia e
domina logo a situação.
— De
qualquer maneira, os livros não lhe farão mal…
—
Lógico. Livro nunca é demais, ajuda a
compor o ambiente de uma embaixada. Tem algum de estampas?
—
Muitos são ilustrados.
— Eu
vou selecionar as obras, mas queira começar pelos álbuns de
estampas. A gente fica tendo uma ideia rápida dos lugares, das
pessoas, do jeito de vida. O texto tem muita importância, é
evidente, mas nessa época de viagens siderais… a senhora não
acha?
— Este
álbum sobre Opopônax é muito curioso.
—
Opopônax? Eu sei, capital de Betúlia.
Só esse nome dá vontade de ir lá. As outras cidades principais
são… Bem, este ele não pode perder. Reserve um exemplar. E sobre
tradições, artes, história da Betúlia, será que tem? Ótimo,
ótimo. Dizem que eles trabalham em marfim que é um estouro. Esses
livros sobre economia, a senhora guarda para ele mesmo examinar,
negócio de minério, de rebanhos, eu não entendo. E daí, ele
também precisa fazer um pouco de força, não é? Estou brincando.
Trabalhar, para ele, é até um vício. Que horas são?
— Doze
menos cinco.
— E
hoje é sábado, preciso ir correndo a uma boutique da rua Constante
Ramos! Não tenho tempo de ver mais nada, vamos fazer o seguinte.
Selecione os que a senhora achar bons mesmo, que possam impressionar
os senadores, e mande para ele, com a fatura. É mais prático. O
álbum eu mesma levo. Depois ele paga tudo, sim?
— Pois
não, senhora embaixatriz.
—
Embaixatriz, eu? Por quê?
— Não
é a senhora dele?
— Sou
a secretária. Ela também anda ocupadíssima. Trabalho com ele há
cinco anos e posso garantir que é um amor de homem, vai ser o melhor
embaixador do mundo. E como não pode passar sem o meu trabalho, vai
me levar também para Betúlia. Adeusinho, muito obrigada!
Carlos
Drummond de Andrade, in A bolsa & a vida
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